- Me dê pelo menos um motivo pra eu não chutar seu saco aqui e agora.
Paulo deu um salto assim que ouviu as palavras, quase derrubando a caixa de leite que tinha acabado de capturar de dentro da geladeira, seus olhos arregalados caindo até mim.
- Que susto, cacete! - reclamou, empurrando a porta do eletrodoméstico.
- Um motivo, Paulo. - repeti, cruzando os braços em frente ao corpo.
- O seu amor por mim? - Fez o teste, cinismo banhando as sílabas.
Dei um passo na sua direção e ele recuou, erguendo a mão livre em frente ao corpo como um escudo.
- Tô brincando, maninha! Calma! - pediu, dando risada. - É que não deu pra resistir. Foi uma oportunidade muito única encontrar tu e o ruivinho dormindo juntos quando eu abri a porta pra conferir se não tinham morrido dentro do quarto.
- Não estávamos dormindo juntos! - Ultraje enfeitou meu tom.
O canto dos seus lábios se curvou em um sorriso, pouco antes de dar as costas para mim.
- Tecnicamente, estavam, sim. Aliás, quando vai me pagar?
Ele caminhou até a pia e fisgou um copo no escorredor, abrindo a caixa de leite para deixar que o líquido branco se derramasse no recipiente.
Não acreditei no que tinha acabado de insinuar. Era uma coisa completamente descabida!
Certo?
- Não tô apaixonada, seu idiota. - afirmei, com toda a convicção que podia existir dentro de mim. - Tá usando erva, por acaso?
- Carmelita, tu nunca passou tanto tempo com um cara sem mandar o infeliz ir pastar. E nunca ficou tão radiante na presença de um, como fica com o Jader. - As palavras não carregaram qualquer vislumbre de brincadeira, sendo interrompidas assim que levou a borda de vidro aos lábios e entornou todo o leite do copo. - Fala sério, tá óbvio que ele mexe contigo, sua retardada.
O negacionismo pulsou, quente, nas minhas veias.
- Não mexe, não. Ele fala mais do que um papagaio de pirata, tem uma risada esquisita e é... bizarro demais!
- Por favor, é isso que você tem pra apontar? - Ergueu uma sobrancelha cética na minha direção. - Carmelita, para de colocar defeitos que não existem nas pessoas. Escroto seria um cara que, sei lá, trocasse a própria mãe por uma banana ou fosse desrespeitoso contigo.
Bufei. E, decidida a não permanecer naquela conversa estúpida, girei nos calcanhares e fui na direção do quarto para fisgar minha farda e uma toalha.
- Olha, Paulo, eu só não mandei o Jader ir pastar até agora porque ainda preciso da ajuda dele, mas te garanto que a gente não tem quase nada a ver. Não faz sentido gostar dele desse jeito. - Minha fala foi resoluta, aumentando o tom assim que adentrei no cômodo.
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Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Estou Fazendo Aqui
Ficção AdolescenteCarmelita Silveira se meteu em uma confusão de níveis estratosféricos. Portadora de uma boca indomável e uma delicadeza cavalar, a garota tem certeza de que sua solteirice aguda é genética, graças a uma estranha maldição que parece cercar as mulher...