𝙴𝚜𝚝𝚒𝚖𝚊𝚍𝚘 𝚎𝚞,

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Querido diário, ou qualquer outro papel de rascunho encontrado ao léu em um canto qualquer. Escrevo sobre as mil dívidas que tenho a vencer. Com a melhor caneta que tenho, daquelas que ainda tem um risco de tinta, dentre tantos intervalos de vácuo tóxicos, como aqueles relacionamentos que se recusam a romper, após um zilhão de tentativas.

E eu não me refiro apenas aos cônjuges.

Assim como esse pedaço impresso, exponho as minhas mil impressões sobre os meus sentimentos, que um dia também foram esquecidos em um recanto indeterminado.

Não é sempre que eu falo sobre mim. Aliás, eu mal sei por onde começar.

É muito mais fácil para qualquer um contar uma história triste. Como costumamos nos recordar da nossa pior face, de quando estávamos na escuridão e de quem não estava lá para prestar suas condolências.

A verdade é que temos muito mais em comum nas nossas vivências e infortúnios, do que na forma como resolvemos cada uma delas.

Somos seres históricos, repletos de cultura e significados.

Seres do certo, do errado, da hipocrisia e da nova tentativa.

Sempre haverá alguém errado protestando ter certeza.

E eu escrevo isso mais para mim, do que para você, leitor.

São tantos os inícios de parágrafos breves, mas chega a ser irônico, porque literalmente passamos muito tempo juntas.

Eu e a minha consciência em uma constante briga de qual versão deveríamos abraçar.

Até mesmo, as quantas adaptações este livro poderia ter, se eu me importasse com cada mente e cada público que teria acesso às informações dele.

Mais sarcástico ainda, são as pessoas que me cobram ser alguém que elas insistem em dizer conhecer.

Eu, ao menos tenho a certeza de que ainda gostarei da cor amarela amanhã. De filmes de super-herói, de homens com barba e mulheres de terno. Da mesma forma de que eu desgostei um dia de ser alguém diferente do que o meu coração sentia, para ser aceita — simbolicamente. E da maneira que me lembro todos os dias de como é libertador soltar as amarras do sutiã e deslizar o algodão encharcado de água micelar pelo rosto.

De antemão, estimado eu. Não lembro quando foi a última vez que conversei com você.

Isso soa um pouco clichê, um pouco da essência e do alicerce de leituras de autoajuda. Mas, se tem algo ou alguém que eu gostaria de ajudar, são os meus pensamentos exagerados quando cai a noite, um soflagrante em que eu acredito que em mim tudo cabe e o meu coração tudo suporta.

Até mesmo o futuro. Uma mente em que passado, presente e futuro se digladiam em guerra fria, e os olhos se tornam cada vez mais apáticos numa epifania repentina.

Não lembro quando o meu espírito me deu uma folga deixando de relembrar os tantos erros que eu cometi. Mas tudo bem. Isso faz parte do conhecimento. E é sobre austeridade, resiliência e autodomínio que nós estamos falando.

Que você é estimado. Porque estimativas dizem sobre investimento, sobre prejuízos e sobre suposição.

E quem não gostaria de investir mais em si.

De saber lidar com os seus próprios prejuízos, de maneira a refletir sobre as suas noções.

Para alguns, é bem simples: basta ter fé.

A realidade, é que todos levamos conosco um pouco da fé inata de acreditar que ainda existe vida pela frente. De supor que nós possamos nos superar, dia após dia. A fé nos ensina que existe amanhã, que alguém zela por nós, que não estamos sozinhos. Mas nem sempre impõe a ponderação e a forma como organizamos os nossos pensamentos.

Ser humano é curioso, uma vez que você pode fazer a sua própria atualização de software, na hora que quiser, e no mesmo momento em que os bugs começam a acontecer.

E eu nunca quis ser uma mera casca de versão estática que está impossibilitada para updates.

Eu não posso trocar o meu sorriso.

Não posso abandonar esse complexo emaranhado de voltas em que transitam enigmaticamente tudo aquilo que eu almejo e tenciono.

Eu não posso deixar de sentir na pele cada contraste desse universo imenso de outras bagagens.

Não posso ignorar as incontáveis dores e perdas que vivenciei, muito menos, desamparar quem está presente aqui e agora.

Portanto, estimado eu, aqui vai um compilado de juízos que nós já tivemos um dia. E quem sabe nós possamos reciclar estes mesmos discernimentos em um real futuro próspero. Eu tenho certeza de que você se remodela consecutivamente para agradar a nós.

Para que possamos explorar de novos potenciais a cada manhã, daquele eu que nós nunca — jamais — vimos ou conhecemos.

Tem dias que eu não lembro nem o que eu almocei.

Esperançosa e retumbante,

Eu.

Cartas para a minha versão que eu ainda não conheciOnde histórias criam vida. Descubra agora