io e te da soli

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Torna da me, amor, e non sarà più vuota la città [Volta, bem, e não será mais vazia a cidade], o aparelho de som bradava sobre a mesinha de madeira. Quando a música enfim desfez-se no ar, Alberto estava à janela, fitando as ondas que quebravam em espuma. Vivrò con te tutti i miei giorni [Viverei contigo todos os meus dias], pegou-se repetindo o fim da canção, antes de se levantar para desligar a vitrola. Suspirou. Atrás dela, coladas à parede rebocada, pairavam as correspondências de Luca. Tutti i miei giorni [Todos os meus dias], balbuciou, contemplando as cartas e desenhos acumulados ao longo do tempo.


Guardou o disco, com que Luca o havia presenteado algumas semanas antes, no começo de suas férias de inverno em Portorosso. Escutaram-no incessantemente durante o recesso. Contudo, desde que o menino retornara à Gênova, era dolorido colocar aquela música para tocar. Ainda assim, ele não podia deixar de fazê-lo, pois a letra repetia à cabeça por todo o dia, o dia todo: um diabinho pousado sobre seu ombro que, sussurrando ao pé do ouvido, lembrava-o da saudade que lhe enchia o peito com o vazio da solidão.


Nos últimos tempos, entretanto, vinha querendo mais do que nunca a companhia do rapaz, sua presença quotidiana. Desejava outra vez aquelas noites sob o céu estrelado, a sensação febril de deitar-se ao lado de Luca até que ele caísse no sono e Alberto pudesse assisti-lo sonhar. Sim: precisava vivenciar de novo o calafrio e o calor que despontavam em si quando as mãos de Luca apertavam sua cintura, segurando-se nos passeios de moto. Já não podia viver distante do aconchego dos abraços do garoto, e gostaria de senti-los sem o amargor da despedida nem o sabor de mar das lágrimas.


— Alberto — Massimo chamou, abrindo subitamente a porta do quarto. Com o susto, o garoto, que ainda olhava a parede de lembranças, voltou-se à direção dele. — Oh. Perdonami.


— Tudo bem — falou, coçando sem jeito a cabeça. — Quer ajuda em algo?


— Não, rapaz — respondeu-o com um tom de piedade. — Só estou preocupado contigo. Desde que Giulia e Luca voltaram para Gênova, você parece um pouco... Diferente.


Entristecido, Alberto deixou-se cair, derrotado, sobre a cadeira rústica que ficava de frente à sua mesa. Cabeça baixa, escondia os olhos que lacrimejavam. Massimo aproximou-se, apertando o ombro do menino com firmeza e ternura. Soluçou fraco. Exceto por eventuais interjeições de consolação, quedaram assim por um longo lânguido momento. Por fim, o pescador quebrou em definitivo o silêncio ao exclamar um curto ah, e, com isso, despertar a atenção de Alberto.


— O quê?


— Esqueci de avisar. Chegaram algumas coisas para você. Espera, vou buscar.


Bastaram essas palavras para que o rapaz reavivasse o brilho em seu rosto. Massimo entregou-lhe um envelope e um postal genovês. Alberto não pôde conter a alegria de vê-los. Enxugou o pranto com as mãos e abraçou forte ao pescador. Juntos assim, não se deixavam tragar pelas saudades que sentiam por quem amavam. Contente, o homem assegurou-lhe de que estaria por perto caso quisesse conversar, e deixou-o a sós para que respondesse às cartas em paz.


O rapaz organizou rapidamente as coisas sobre sua mesa, e sentou-se para ler o postal. Giulia mandava lembranças e promessas de planos vindouros. Alberto esboçou um sorriso pela mensagem, mas sua face calou tão logo encarara o envelope. Temia que cada carta ou visita fosse a última de Luca, cujo encanto pelos estudos crescia a cada ano. Era um medo bobo, pois o menino não dava indício algum de que o abandonaria. Entretanto, com frequência Alberto inquietava-se ante a possibilidade de perder seu pequeno.


Não conseguiria viver sem o brilho daqueles olhos, um misto de inocência e desejo de viver, aqueles olhos que o viam com a mesma paixão com que perambulavam pela paisagem do céu noturno. O envelope ainda em mãos, lembrou-se de seu mantra — silenzio, Bruno! —, e abriu-o de uma só vez. Assim que sentiu no papel o cheiro que tanto amava em Luca, escapou-lhe um sorriso. O aroma o confortava, pois evocava algo da presença física do outro para perto de si, apesar de toda terra que os separava.


Puxou a carta do invólucro. As margens estavam ilustradas com astros e átomos. Embora Alberto não os conhecesse ou compreendesse totalmente, o capricho de Luca em desenhá-los enchia-o de felicidade. Ler a caligrafia do amigo o fazia enrubescer: era quase tão delicada, tímida e amável quanto seu companheiro dos mares. Um dia, Alberto apresentara-o a um mundo novo. Agora, era Luca quem retribuía o favor, contando-lhe os detalhes da vida na capital, suas invenções, lugares, pessoas.


Suspirou fundo, aproximando-se do fim da carta. Ma sai una cosa, Alberto? Questa città mi sembra vuota senza te. Mi manchi [Mas sabe o quê, Alberto? Esta cidade me parece vazia sem você. Sinto tua falta], escrevera Luca antes de despedir-se, pela primeira vez, com um per sempre tuo [para sempre teu]. Terminada a leitura, Alberto chorava e sorria, as lágrimas tão quentes quanto o que sentia dentro de si. Luca havia lhe dado aquele single porque sentia sua falta. E a saudade imensa de Alberto por ele não o deixava parar de ouvir o disco. Então, enxugando a face na camisa, pôs de novo a vitrola para tocar.


Precisava escrever a Luca o mais rápido possível. Assaltou-o uma urgência por dizer, por desfazer todo aquele silêncio apocopado na garganta. Do guarda-roupas, pegou um postal de Portorosso que comprara havia algum tempo. Mesmo que depois precisasse enviar a Luca uma carta para responder-lhe de maneira mais apropriada, Alberto sabia que a única coisa que deveria fazer, naquele momento, era dar cabo ao que lhe sufocava os lábios. Aí, no pequeno cartão mesmo, arrematou-se:


Grazie ancora per il regalo, Luca. Lo ascolto tutti i giorni. E tutti i giorni vivremo insieme, purchè torni da me, ed io torni da te — sia su carta, sia personalmente. In questo modo, non sarà più vuota nè la tua nè la mia città. Il singolo è belissimo, ma tu sei il mio regalo più importante. E sarò sempre il tuo. Alberto.


[Obrigado de novo pelo presente, Luca. Ouço-o todos os dias. E todos os dias viveremos juntos, desde que retorne a mim, e eu a você — seja por carta ou pessoalmente. Desse modo, não será mais vazia nem a tua nem a minha cidade. O single é belíssimo, mas você é meu presente mais importante. E serei sempre o teu. Alberto.]

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