Capítulo 1

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— Você devia parar de tentar controlar tudo a sua volta. Essa obsessão por controle deve ser algum tipo de doença e você devia procurar tratamento, porque nós dois sabemos que não te faz nada bem.

Claro que Ian estava certo, essa minha mania de querer controlar tudo só me frustrava. Toda vez que alguma coisa saia do caminho que havia planejado, mesmo milimetricamente, meu humor ficava como o interior de um buraco negro.

Óbvio que um amigo antigo como ele saberia disso, mas admitir isso em voz alta estava absolutamente fora de questão. Eu ainda era teimosa demais pra deixar as palavrinhas saírem da minha boca, por isso respondi me desviando do assunto não tão sutilmente assim.

— Por todos os deuses! Agora sou uma espécie de maníaca por controle? Aposto que você me vê como algum tipo de Sr. Grey, só que de saias! — disse eu com um sorriso de escárnio, nenhum de nós dois gostava da história, mas os dois amavam zoar um ao outro, às vezes até a si mesmos.

O sarcasmo era sempre a minha saída, principalmente com ele, por dois motivos: sempre me deixava confortável e fazia com que a raiva dele passasse mais depressa. De alguma forma nós dois sempre metíamos personagens de livros ou filmes (ou séries, que seja dita a verdade) em nossa conversa.

— Você nem gosta tanto assim de saias. — ele tentou parecer bravo, mas dava para ver pelos seus olhos incrivelmente negros que já tinha passado — Bia, meu amor, você tem que deixar essa sua personalidade medonha de lado e ir falar com eles.

Enquanto conversávamos saímos da rua e entramos no nosso café favorito. O café/livraria tinha um acabamento rústico por causa de toda a madeira empregada na decoração e nos pilares. Estranhamente, sempre me sentia em paz ali, acho que por causa das muitas estantes de livros e porque é o nosso lugar desde que éramos calouros na faculdade. Sem falar no beneficio adicional: o melhor café que já tomei na vida.

— Sou sempre difícil, a teimosia é só parte do meu charme. — falei enquanto tentava pensar em uma desculpa. — Sinceramente Ian Medeiros, o que você faria na minha situação? Dois caras se engalfinhando em uma boate porque ambos achavam que tem algum direito sobre mim. — a minha raiva de verdade já tinha passado, mas a noite passada ainda não me parecia real.

— Romântico! — disse ele com um sorriso de deboche. — Qualquer mulher no seu lugar adoraria a atenção. Mas já concordamos que você é mais sensata que isso. Só acho que o pobrezinho do Pedro apanhou demais ontem. Seu primo acabou com ele.

Ele fez sinal para Jane, a garçonete, e ela foi direto preparar nossas bebidas: um café puro e bem forte pra mim e um capuchino gelado para ele. O lado bom de vir aqui há sete anos é que, hoje em dia, nós dois raramente precisávamos fazer pedidos já que todos os seis garçons —e o gerente —nos conheciam bem.

— Otávio tem a péssima mania de achar que preciso ser defendida a todo custo de "caras grandes e maus que podem te prejudicar de novo". — disse imitando a voz do meu primo. — Ele não consegue ver que eu meio que não sou mais aquela menina de 17 anos.

— Tá, mas vamos admitir que o Pedro forçou barra ontem, né? Claro que você sabia lidar com ele, mas eu posso ver porque o Tavinho ficou tão perturbado.

Nossas bebidas chegaram à nossa mesa, que ficava mais ao fundo para nos dar privacidade. Tomei um gole gigante e senti o líquido espesso e abrasador descendo pela garganta e queimando-a um pouco. A sensação era divina.

— Bem, ex é sempre um problema. Agora chega disso, discutimos o assunto exaustivamente ontem quando saímos da boate, outra vez quando tomamos café da manhã em casa durante todo o percurso pra editora. Não vou mais falar nisso. Quero saber se o Júlio aprovou o apartamento.

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