Capítulo V

270 47 1.1K
                                    

Lembre-se: sem conflito.

As palavras do velho mentor apareceram na imensidão da mente à medida que caminhava acompanhado pela crupiê até uma mesa de feltro vermelha. Ignácio sorriu para as mulheres estrangeiras, reverenciou as locais e flertou com atendentes a fim de encontrar a melhor forma de agir naquele imenso cassino.

Ali, entre a jogatina cruel e ferrenha, os contatos de diversos setores do planeta confluíam como abelhas ao mel. Gangues ligadas ao submundo guatemalteco vinham para adquirir financiamento, espiões, para transmitir ou passar mensagens ocultas aos supervisores e freelancers como ele sempre vendia serviços para quem pagava mais.

Claro, sempre existiam os seguranças exaltados e zelosos, contudo nada que uma boa lábia não ajudasse. E quando a lábia não funcionava, o dinheiro fazia o trabalho. O velho Afif regozijaria se soubesse o quanto os seres humanos poderiam ser tão mercenários. Caso existissem seguranças leais, nada poderia fazer a não ser aguentar os socos e pontapés. Passava longe de ser especialista em combate, mas era o melhor em fuga.

Logo, desde cedo, aprendeu como agir em cada local, em cada cassino. Quais limites poderia quebrar, quais eram melhores não ultrapassar. Tentativa e erro, alguns hematomas e costelas quebradas o fizeram especialista na regra do "Sem conflito". E lá encontrou-se, ao lado de possíveis homens e mulheres perigosos, capazes de matá-lo com o levantar de um garfo ou colher. Contudo, se seu contato queria vê-lo naquele local, que assim fosse.

Sentou-se à mesa e rapidamente viu gotas de suor escorrer pelo rosto envelhecido de um senhor idoso sentado à frente. Ele a enxugou com um lenço de caxemira e olhou novamente para uma pequena porção de batatas fritas no mar de feltro vermelho da mesa.

Não parecia ser apenas o brilho implacável das luzes do teto que o deixava suando. Por um momento, teve a impressão de que ele não tinha uma noite muito agradável. Ignácio sabia muito bem disso, sempre fora o amuleto de alguém, nunca o vencedor. Sorriu envergonhado quando recordou que perdera todas as vezes em que participou de algum sorteio ou jogo de azar. Até jogos de tabuleiro, ele nunca vencia, sempre fazia os outros vencerem.

Talvez fosse isso o que seu contato queria.

Uma mulher madura, de pele clara, mantinha os olhos astutos em direção a mesa para a próxima jogada. Trajava um vestido com alças ao redor dos ombros e um decote sutil, que favorecia o caráter sedutor. Atrelado ao vestido, havia um corpete justo que evidenciava a bela forma e uma saia reta, onde o corte do tecido mostrava uma das pernas nuas. Ela virou a cabeça dos homens de uma forma implacável.

Ela dominava aquela mesa de pôquer.

— Cortez... — Ela anuiu assim que ele sentou e pediu cinco mil dólares em fichas prévias ao jogar outro de seus cartões, dessa vez um de platina, na mesa. — Está atrasado.

Pardon, mon coeur. — Sorriu para ela e, então, viu o coque baixo de seus cabelos de cobre que enfatizava as curvas do pescoço, tornando-a ainda mais irresistível. — Se eu soubesse que me esperaria dessa forma, eu teria pego voos fretados.

— Depois do Cairo, não duvido mais nada. — Tentou esconder, mas ele jurou que a viu trincar os dentes. — Já que finalmente chegou, me ajude a chegar ao andar superior.

— Oh, mon amie. — Ignácio, completamente inserido no personagem que estava vendendo, pediu uma vodca com martini para uma das garçonetes. — Por que deveria?

— O que você quer está atrelado a minha missão. — Ela apontou com o queixo para algumas câmeras e olhou de soslaio para alguns seguranças. — Tanto você quanto eu queremos as rotas dos narcotraficantes no norte do país. Você para acessar ruínas, eu para impedir que o tráfico passe pelo México e chegue aos Estados Unidos.

Portal das Almas [Degustação]Onde histórias criam vida. Descubra agora