O Livro Sagrado

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Sentamos à mesa mais próxima e passei a folhear o exemplar atrás do capítulo certo quando a mão de Luna sobrepôs a minha de surpresa.

Ei, James...

— Hum?! — Suspendi o olhar do livro para si.

— Eu... — Encolheu os ombros, tentando começar. — só não queria deixar passar em branco... Sei que fui um pouco rude contigo de manhã. É que... eu não quero que a Megan pense que pode mexer comigo. E se eu deixar os outros me defenderem, ela vai achar que eu não sou páreo, sei lá. — Suspirou, mas logo voltou com um olhar travesso. — Mas obrigada por defender meu "british breakfast" — debochou ao imitar meu sotaque.

Ah, é assim que se desculpa?

— Tá bem... — Reconheceu com impaciência.

— Olha, pra ser franco, eu não me meti por pensar que você tava indefesa ou algo do tipo. Só... me incomodou a maneira como ela agiu. Não foi lá muito acolhedor pruma veterana, nem apropriado pra mesa. Concorda?

Dei de ombros, voltando ao manuscrito. Imaginei que ela acrescentaria alguma coisa, mas se calou.

— Então, considere-se desculpada. — retomei o tom descontraído, ao que me retribuiu com um riso acanhado — Aqui, achei a página.

Li em voz baixa os parágrafos mais importantes, que estavam em huã:

Há muito tempo atrás, na origem de tudo, surgiu a Deusa Mãe, criadora da Terra e de tudo que nela habita. A Deusa dividiu seu planeta em duas realidades, dois mundos incrivelmente distintos. Átomo, molécula, célula, um micro-organismo de cada vez. Fez-se os oceanos e deles os rios; a partir dos vulcões produziu-se as rochas e delas os solos; dos gases, formou-se a atmosfera. Brotaram as primeiras plantas e surgiram os primeiros animais. Tudo foi construído em equilíbrio e harmonia: desde a função da cadeia alimentar, passando pela organização dos organismos, até a distribuição da magia.

No primeiro mundo, fez-se tudo de magia. Foi por último que se originaram diversos seres conscientes e capazes de evoluir por si próprios, dotados para articular com raciocínio complexo e modificar o ambiente. Habitando a natureza, vários animais inteligentes e sociáveis se desenvolveram, convivendo em meio a outros seres vivos e não vivos. A magia foi a força vital para o crescimento e evolução de toda a biosfera.

Diferente do anterior, no segundo mundo, a Criadora eliminou todo vestígio de magia. O mundo precursor não deveria interferir no rumo do recém construído. Ambos deveriam coexistir separados pelas barreiras de suas realidades.

— O que não aconteceu exatamente, já que seres mágicos foram capazes de abrir portais que os transportassem pra nossa realidade. Ainda que preservando a maior ordem possível e mantendo a magia em segredo. Mesmo assim, a simples abertura de um portal já é capaz de causar pequenos desequilíbrios lá no mundo anti-mágico.

"É algo ínfimo, digamos assim, e é por isso que a legislação mundial de magia regulamenta a criação de portais. Por regra, só nós humanos podemos atravessar, já que somos os únicos que podemos nos misturar e passar despercebidos. Na antiguidade, antes sequer de existir essa convenção, algumas criaturas passavam pelos portais, e isso causou as "lendas" dos contos de fadas."

Ah! É por isso que conhecemos os unicórnios e os brownies?

— O bolinho de chocolate...?

Ham, os espíritos de duendes domésticos...

— Você também acredita na fada dos dentes e no coelhinho dos ovos?

— Estraga prazeres. — Apoiou os cotovelos na mesa, afundando o queixo nas mãos, com sua adorável cara enfadada. — Como eu vou saber o que é real e o que era fantasia?

Herdeira da Terra e os Arqueiros da LiberdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora