O calabouço das poções

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São quase 16h, preciso me apressar para a classe de alquimia. Passei o dia tão nervosa pensando nessa aula, que as outras passaram voando. "Vai ser um alívio não estar no mesmo lugar que você e um monte de elementos perigosos." Pff, James e suas piadinhas. Afinal, me pergunto onde aquele implicante estará agora, não nos vimos depois do almoço. Na verdade, hoje ainda nem o encontrei fora do refeitório, ele deve estar tendo um dia ocupado.

Pergunto-me até quando os dias vão ser tão agitados assim. Acordei cedo para a primeira aula de Introdução à História dos Artefatos Mágicos. O pessoal do primeiro ano é bem simpático no geral, e tem a idade mais próxima a minha, também. Acho que entendo um pouco mais desse negócio de magia agora, embora eu ainda me sinta vivendo numa fantasia.

Depois tivemos uma aula de geografia onde estudamos alguns mapas de algumas regiões e aproveitei para aprender sobre alguns povos. Após o almoço foi a vez de experimentar algumas armas mágicas. Senhor Millos, o professor, explicou que quando um feiticeiro utiliza um disparador, é como se suas... umas coisas chamadas "naturezas arcanas", interagissem entre si. Assim, uma arma só pode ser ativada se quem a segura possuir um poder compatível, ela meio que canaliza a força mágica da pessoa, como um condutor de energia. Então, tecnicamente as armas nem precisam recarregar, mas sim os próprios feiticeiros. Eu achei bem interessante.

Mas não foi surpresa para mim quando provei que não seria uma feiticeira, só não sabia que me sentiria tão deslocada por isso. O pessoal do segundo semestre é... Bom, eles parecem viver na própria bolha. Me senti duplamente desajustada. Não estavam interessados em fazer amizade, só estavam curiosos em conhecer "a herdeira", essa sombra que me acompanha. Mas a aula não foi puro desolo, também foi fascinante ver as demonstrações do professor, com as faíscas saltando das armas, aquelas luzes mágicas cheias de brilho e intensidade. Lindas... e letais, devo lembrar.

Essa terra mágica não é nada parecida com os contos de fadas dos livros infantis. É um mundo de guerra... Aparentemente, esse acampamento é quase um mundinho à parte da vastidão violenta lá de fora. Aqui parece perfeito, cheio de justiça e benevolência... utópico. Não parece o mundo real. É frustrante, quando finalmente ganho noção das proporções do mundo, ainda assim sou impedida de vê-lo cara a cara.

Eu poderia estar sendo mal agradecida? Afinal, fui criada na Inglaterra, o berço do desenvolvimento do mundo (ou do mundo anti-mágico, como eles insistem em chamar). Não passei necessidades, não vi a pobreza tão de perto. De certa forma, fui protegida a vida toda. Pergunto-me por quanto tempo ainda vou ser privada de encarar a realidade.

Eu faço parte disso, afinal, não faço...? É para isso que precisam de mim...

Enfim, não há mais tempo para divagações, acabo de chegar ao Calabouço Sul. Aqui até pode não ser mais uma masmorra, como me contaram, mas, só de ainda ter esse nome, me dá calafrios. Principalmente porque vai ser outra daquelas aulas individuais... Francis até me disse que era auxiliar desse professor, mas como eu ia ser uma classe privada, o professor tinha lhe dado folga, para o meu azar. Bato à porta da sala indicada no croqui¹ que ela me desenhou.

— Entre, minha jovem.

Não há maçaneta, antes que eu pudesse empurrá-la, ela se abriu sozinha com um ranger medonho das dobradiças.

Só pode estar de brincadeira com minha cara...

Contra toda minha vontade, adentro o matadouro. A visão do lado de cá não é nada do terror que eu imaginava. Não tem estantes empoeiradas, teias de aranha ou caldeirões pegando fogo.

De fato, no centro do laboratório, sobre uma longa bancada, tem um caldeirãozinho aceitável sobre um tripé e uma lamparina de querosene. Ao redor estão alguns banquinhos e estantes bem polidas, cheias de líquidos brilhantes, outros escuros, outros transparentes, alguns com folhas, cascas de árvores e frutinhas. Do outro lado, um armário com portas de vidro, e lá dentro os potes já não são tão simpáticos, uns parecem conter pelos, outros unhas, e vários pozinhos coloridos.

Herdeira da Terra e os Arqueiros da LiberdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora