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DEPOIS DE CONFIRMAR que Robin Hood não pretendia invadir o castelo, lorde Fitz-Alwine, com o corpo moído e a mente assaltada por mil projetos, cada um menos realizável que o outro, retirou-se em seus aposentos.

Sentindo-se já em segurança, passou em revista a estranha audácia do fora da lei que, em pleno dia, sem outra arma além de uma inofensiva espada, só desembainhada para cortar as cordas que prendiam o prisioneiro, demonstrara suficiente presença de espírito para manter à distância um forte contingente de soldados. A fuga vergonhosa desses últimos voltou à lembrança do barão que, esquecendo ter sido ele o primeiro a dar o exemplo, praguejou contra tanta covardia.

— Que pavor mais grosseiro! — exclamou. — Que ridícula atitude! O que vão pensar os cidadãos de Nottingham? Eles sim podiam fugir, pois não tinham meio algum de defesa, mas soldados armados até os dentes e bem treinados... Minha reputação de valentia e bravura vai estar para sempre abalada por essa afronta.

Dessa reflexão desoladora para o seu amor-próprio, o barão passou a pensamentos de outra ordem. Exagerou tanto a vergonha da sua derrota que acabou conseguindo transferir para os soldados toda a responsabilidade. Começou a acreditar que, em vez de abrir o caminho para a deserção, havia protegido a fuga insensata e, sem qualquer proteção além da própria coragem, abrira à força passagem entre os bandidos. Tornando-se realidade, essa estranha conclusão levou sua revolta interior ao cúmulo. Saiu do quarto e dirigiu-se rápido ao pátio, onde os soldados, reunidos em pequenos grupos, reclamavam da vergonhosa derrota, acusando, justamente, o nobre castelão. Ele chegou como uma bomba que caísse no meio da tropa, ordenou que se formassem em círculo e deu início a uma longa oratória sobre a infame poltronice. Em seguida, citou exemplos imaginários de pânico desvairado, acrescentando que nunca na história se havia ouvido falar de covardia comparável àquela. Discursou com tanta veemência e indignação, assumindo ares de tão indômita bravura, que os soldados, influenciados pelo natural respeito que têm por seus superiores, acabaram acreditando serem eles, de fato, os únicos culpados. A ira do barão pareceu-lhes nobre e justa. Baixaram então a cabeça, achando que realmente não passavam de uns poltrões assustados com a própria sombra.

Terminado o pomposo discurso, um dos homens propôs que imediatamente seguissem os bandidos até o esconderijo da floresta. A proposta foi recebida com gritos de alegria e o soldado que levantara a ideia sugeriu que o valoroso instigador de todo aquele belicoso ímpeto comandasse pessoalmente a expedição. Este último, pouco disposto a aceitar o intempestivo convite, respondeu se sentir lisonjeado com a demonstração de tão alta estima, mas que, pelo momento, parecia-lhe infinitamente mais agradável permanecer no castelo.

— Meus bravos — explicou o barão —, a prudência nos obriga a aguardar ocasião mais propícia para a captura de Robin Hood. Creio mais razoável evitarmos, por enquanto, qualquer tentativa inconsiderada. Paciência por hoje, coragem no momento da luta. Nada mais lhes peço.

Dito isso, e temendo maior insistência por parte dos seus homens, o barão se retirou, deixando-os entregues a seus planos de vitória. Mais tranquilo com relação à sua reputação de brilhante guerreiro, deixou de lado Robin Hood para se dedicar por inteiro a interesses pessoais, em que se incluíam os pretendentes à mão de sua filha. Inútil dizer que lorde Fitz-Alwine solidamente embasava a realização dos seus mais caros desejos na comprovada eficiência de Pedro Preto, e considerava eliminado em definitivo Allan Clare. Robin Hood, é bem verdade, havia mencionado a morte do sanguinário capanga, mas ao barão pouco importava que Pedro tivesse pagado com a própria vida o serviço prestado a seu amo e senhor.

Livre de Allan Clare, obstáculo nenhum podia mais se entrepor entre Christabel e Tristam. Os dias deste último, aliás, já se avizinhavam tanto da tumba que a jovem recém-casada trocaria, por assim dizer, de um dia para o outro, o vestido de noiva pelo escuro véu das viúvas. Jovem e extraordinariamente bonita, livre de todo laço, rica de dar inveja, lady Christabel poderia então aceitar novo casamento, digno de sua beleza e imensa fortuna. Mas qual casamento, perguntava-se o barão. Com os olhos faiscando de ardente cobiça, procurou imaginar um marido à altura das suas ambições. O orgulhoso velho logo vislumbrou os esplendores da corte e pensou no filho de Henrique II. Naquela época de incessante luta entre as diferentes partes que dividiam entre si o reino da Inglaterra, o dinheiro tinha um poder enorme e a elevação de lady Christabel à categoria de princesa real não era algo impossível de se realizar. A embriagadora esperança concebida por lorde Fitz-Alwine já ganhava contornos de projeto em vias de execução. Imaginava-se avô de um rei da Inglaterra e passou a avaliar a quais nações seria vantajoso unir seus netos e bisnetos, quando as palavras de Robin lhe voltaram à memória e puseram abaixo todos aqueles castelos de areia. Talvez Allan Clare estivesse vivo!

Robin Hood, o proscrito (1873)Onde histórias criam vida. Descubra agora