Parte III

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         Novamente o homem estava encostado na parede de madeira, jogado no sujo chão do celeiro, com os caixotes ao seu redor. Ao recuperar os sentidos, a primeira coisa que sentiu foi uma imensa dor em sua perna esquerda, não só uma dor, misturava-se com uma ardência, como se alguém estivesse colocando fogo em sua coxa. Olhou para ver o que acontecia mas sua visão estava desfocada novamente, a dor era muito intensa, ele soltou um grito e passou a gemer, não queria fazer barulho, mas era impossível se conter.
         Levou a mão à perna, sua visão estava voltando a normalidade, ele notou que alguma coisa estava adentrando sua coxa esquerda. Havia três cortes rasos em sua coxa, que estavam sangrando, não saía muito sangue, a intenção não era matá-lo ou fazê-lo passar mal, era apenas vê-lo sucumbindo aos poucos. Ele estava sem a calça, apenas de blusa e cueca e sua perna estava vermelha do sangue, mesmo que fosse pouco.
         O homem suava como se estivesse em uma sauna por conta do desespero e rolava de um lado pro outro por conta da dor, agia como um animal irracional, a prepotência do homem teve por consequência o seu sofrimento, talvez funcionasse como lição de moral, talvez só fosse combustível para ele se livrar o mais rápido que conseguisse daquela situação.
         Olhou para o chão e notou que havia outro bilhete ao lado de sua perna direita "não dê pérolas aos porcos, eu poderia ter te dado o mundo, mas você escolheu desobedecer, não tem problemas, estou te observando até você aprender, não se levante ;) - ♡"

-Cacete, tenho que arranjar um jeito de sair dessa - o homem disse em voz alta.

         O homem pensou em se levantar mais uma vez, não era uma ideia boa ponderando o que aconteceu da última vez que desobedeceu as ordens. Não gostaria de ter mais uma perna cortada, somente uma já estava incomodando demais; a sua primeira ideia foi tentar pegar a calça que estava a pouco menos de dois metros dele, seria importante para tentar estancar um pequeno fluxo de sangue que saía dos cortes. Não havia como buscar a calça sem se mexer, percebeu que não seria boa ideia tentar se levantar para alcançar seu objetivo, então decidiu ir rastejando.
          O chão de terra com musgo e grama de baixa altura não era nem um pouco agradável, não bastasse a tortura física e psicológica pela qual passava, ainda estava submetido a perder sua dignidade. Nem ligava para estar sujando uma de suas únicas roupas de marca, ele tinha separado o melhor que tinha para o encontro, mas agora nada disso fazia sentido, focava em sobreviver.
          Após algum tempo se arrastando o homem pegou a calça em suas mãos e se encostou em um caixote para que pudesse manuseá-la mais facilmente, o homem estendeu a vestimenta e a enrolou em cima dos cortes, com o que sobrou do tecido deu um nó e puxou forte, soltou um grito pela dor da pressão que a calça fazia. Assim que gritou o homem ouviu passos desequilibrados no andar superior, as madeiras fizeram muito barulho, como se alguém estivesse correndo em direção à escada.

-Eu não vou me levantar, eu juro! - o homem gritou bem alto.

          Ao dizer isso os passos cessaram, o homem estava de costas para a escada, esperava que a qualquer momento alguém chegasse por trás dele e terminasse o serviço que havia começado. Mas isso não aconteceu. A luz da lâmpada que iluminava distante passou a piscar.

Pupila dilatada, coração a mil, respiração ofegante, músculos contraídos, sudorese, pico de adrenalina.

          Toda a agitação provocada pelo desespero e... de repente... luzes apagadas... silêncio... a noite reserva diversão...

          O celular tocou, o homem nem havia percebido a presença do aparelho ali, estava em completo estado de choque, queria se mexer (ou não), queria atender (ou não), um misto de coragem e medo era tudo o que ele tinha. Na tela do celular aparecia o nome de quem estava ligando "♡". O homem optou por não escolher, não era voluntário, seu corpo impedia qualquer movimentação que desviasse seu foco do perigo.
          Mais uma vez, mais uma ligação, a indecisão se repetia, porém dessa vez um assobio fino soprou atrás do caixote no qual ele estava encostado, era como se quem estivesse ali soubesse do seu temor. Era uma enrascada, estava encurralado, acuado, não havia o que fazer, não conseguiria correr mais rápido do que quem estava ali, imediatamente atrás dele. O tempo de espera da ligação fora encerrado, por alguns segundos a escuridão total foi tudo o que restou.

O homem gostaria de poder chorar, mas essa possibilidade estava restrita, a liberdade estava restrita.

         Não poderia chorar, não poderia demonstrar fraquezas agora, quem não foi fraco em toda a vida estava sendo no momento crucial.

         O celular tocou mais uma vez, e agora dois assobios foram soados, o emissor parecia mais distante, o homem se aliviou um pouco mais. Ele já havia entendido que as ligações não parariam enquanto não as atendesse, então aproveitou a distância entre ele e o inimigo para atender. Assim que colocou o celular na orelha um grande chiado foi emitido do celular e quase lhe ensurdeceu, em seguida uma voz extremamente distorcida começou a falar.

-Venha para o nosso jantar à luz de velas, tenho certeza que você vai amar.

         Uma intensa luz laranja fez um clarão atrás dele, que virou a cabeça para ver o que estava acontecendo. Várias velas foram acendidas, inclusive três que estavam em cima de uma mesa, o homem receou a situação.

-Vamos, não tenha medo, finalmente você pode ir para algum lugar.

          Não lhe restava outra opção, o homem tentou levantar, sua perna estava um pouco mais forte, não era o suficiente para andar, mas servia de apoio para o equilíbrio. Um desconforto adentrou a mente do homem, enquanto ele se deslocava para a mesa, era inacreditável que quem estava lhe causando todo o mal estava tão perto e ele não podia fazer nada contra isso.
          Sentou-se à mesa, havia uma toalha quadriculada cobrindo a madeira, um prato com comida e talheres. O homem estava tão tenso com a situação que nem sentia vontade de comer, mas de qualquer maneira, nunca aceitaria comida daquela pessoa. Vasculhou a mesa para procurar algum outro bilhete e encontrou, neste estava escrito "melhor quente do que frio, não espere a vingança - ♡"

-Porra, eu não vou comer isso - o homem pensava.

           De fato não aprendera nada ao sofrer as consequências de desobedecer, por outro lado era muito arriscado aceitar um prato de comida do seu inimigo. O homem não demorou a decidir qual linha de pensamento seguir, desobedeceria novamente, não seria idiota o suficiente para se alimentar com aquela comida, decerto seria uma armadilha.
           Porém quem estava do outro lado não tinha paciência com ele, passaram cinco minutos a espera de uma primeira garfada, não houve sinal nenhum de movimentação por parte do homem. Um gás foi dissipado por trás do homem, mesmos erros, mesma punição, mesma consequência. O gás agiu silenciosamente, sem dar pistas de que estava ali, o homem foi ficando tonto até que desacordou, caindo de cara na comida que tanto rejeitou.

À luz de velasOnde histórias criam vida. Descubra agora