Parte II

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          O homem acordou encostado em uma parede de madeira velha, um tanto de musgo subia do chão, trazendo grande nojo. Seus sentidos ainda estavam afetados e ele não conseguia se localizar, tentava focar a visão em algum objeto, mas era impossível.

-Caralho, o que aconteceu comigo? - se perguntou, em voz alta.

          O homem pensou estar de ressaca, e das fortes, sentia uma dor de cabeça terrível, estava extremamente tonto, sua boca estava completamente seca, imploraria por água se alguém ali houvesse. Com o passar do tempo ele foi tomando consciência e tentava entender sua situação, mas a ele somente restava esperar, não conseguiria se levantar no estado que estava.
           Pensava que nunca havia passado por uma ressaca tão maldita quanto aquela, talvez fosse sinal dos quarenta anos chegando, mas estava tão frio e parecia não haver luz nenhuma ali a não ser uma lâmpada que estava bastante distante e pouco iluminava ao seu redor, pelas frestas entre as madeiras decerto seria possível entrar alguma luz solar, achava que tinha acordado rápido demais, isso nunca acontecera com ele após uma bebedeira, é... talvez fosse sinal dos 40.
           Minutos depois sua visão se tornou mais nítida, ele notou que estava em um lugar sujo e escuro, no chão estava um papel com um recado, escrito com caneta permanente "não se levante, estou te observando - ♡", aquele recado... escrito de forma tão carinhosa, não, não podia ser, não haveria porque a mulher ter o levado para aquele lugar, não acreditaria se isso fosse verdade.
           Ao lado de onde ele estava haviam dois caixotes de madeira, um encima do outro, de modo que um estava em diagonal e o outro não, o celular do homem estava apoiado na caixa superior. Era tentador levantar e ir até o aparelho para descobrir aonde estava ou para ligar para seu filho e dizer que demoraria um pouco mais para chegar, mas não faria isso pois a mensagem ressoava na sua cabeça sem parar, o deixando com mais medo.
          Permaneceu encostado na parede, a cada minuto que passava ficava mais frio, sua roupa não era adequada para estar ali, a parede de madeira era cheia de frestas que permitiam a passagem de vento, suas costas congelavam. Estava difícil resistir parado, no entanto ele tinha um grande medo de que houvesse alguém esperando ele se descuidar para lhe fazer mal.
          O frio piorava, quando a tela do celular acendeu e doeu a sua vista, a luminosidade estava muito forte, na tela alguém ligava, alguém não, o filho do homem, agora estava em uma enrascada, não queria levantar pelo medo, mas já era madrugada e se seu filho estava ligando era porque estava preocupado com sua ausência. Entre tantas dúvidas resolveu arriscar e levantar, tomou o celular e atendeu. Do outro lado da linha não havia ninguém, não havia voz, ninguém falava com ele, conseguia escutar o vento passando, desligou.
          Quando o calor da emoção passou e ele caiu em si, percebeu que estava em pé, desprotegido, dando chances para o azar. Na tela do celular apareceu uma notificação que dizia "Não ligue para ninguém, não atenda ligações ;) - ♡". O contato não tinha nome, tentou abrir o aplicativo para ver quem era, mas havia senha e ele não lembrava de ter o bloqueado.
           Já estava levantado a bastante tempo e nada havia acontecido, encheu-se de coragem e resolveu procurar uma saída. Aparentemente estava em uma espécie de celeiro abandonado, caixas amontoadas com madeira apodrecida, tratores e ferramentas de fazenda enferrujados, palha amarelada nos cantos e paredes e teto caindo aos pedaços compunham a desagradável paisagem daquele lugar.
           Poucos metros distante estava o que parecia ser a porta para sair daquela situação desgraçada, eram duas grandes tábuas de madeira que pareciam recortadas do resto da parede, tiras de ferro revestiam as portas à meia altura e duas argolas se apresentavam próximas à divisão entre as portas, foi até a saída e puxou as argolas, as portas estava trancadas. Procurou algum meio de destrancá-las e achou mais um bilhete "Você não deveria ter levantado, não olhe para trás, estou te observando - ♡".
           O homem congelou na posição que estava, já tinha visto cenas como essa em filmes de terror mas nunca imaginara passar por isso, sempre quando o protagonista olhava para trás alguma coisa ruim acontecia, não queria esse destino para si. Permaneceu algum tempo parado, nada acontecia, talvez porque não tinha se mexido, talvez porque mais uma vez nada aconteceria com ele.
Se virou e olhou em todos os lugares do celeiro procurando alguma ameaça, nenhuma sombra, nenhuma movimentação, só não havia absoluto silêncio por conta do grilo que cantava irritantemente forte. O homem pensava que quem quer armou essa situação para ele gostava muito de tortura psicológica, provocava o medo por coisas que nunca aconteceriam, e não agia de fato.
            O homem começou a andar com grande cautela para evitar fazer barulho, deu três passos para frente, quando repentinamente um vulto preto saiu de trás de alguns caixotes e avançou em cima do homem, pondo um pano branco sobre sua boca e nariz, de forma que ele adormeceu em poucos segundos, sem conseguir resistir.

À luz de velasOnde histórias criam vida. Descubra agora