Capítulo 2

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Eu achei que ela fosse uma maluca.

Que tipo de pessoa faz amizade tão facilmente? Deveria haver algum distúrbio que justificasse ser tão solícita assim.

Bem, eu não diria à ela que não estava aceitando currículos. Então, simplesmente sorri de volta, me fiz de sonso e concordei com todas as suas ideias até o fim da aula.

Mesmo depois disso, continuei pensando no que a motivaria a querer ser minha amiga. Quando o sinal bateu ao meio dia, eu já tinha chegado à uma conclusão perfeitamente plausível: ela estava carente.

Possivelmente, frustada e enraivecida. Querendo se vingar das amigas que a excluíram daquele trabalho estúpido, demonstrando que era capaz de as substituir na mesma facilidade.

No entanto, quando Stephany saiu da sala puxando conversa com as duas, como se aquilo não tivesse sido nada, minha teoria foi para o ralo.

Só me restava a primeira alternativa: ela era mais estranha do que eu.

Mas, enquanto caminhava pelo pátio, rumo ao portão de entrada, me dei conta de que o burro e esquisito era eu. Por que diabos eu estava acreditando naquilo? Ela, com toda certeza, tinha dito aquilo da boca para fora e eu estava me perturbando por nada. É assim que as pessoas são desde o início dos tempos. Juram afeto, companheirismo e logo somem da sua vida.

Satisfeito com minha resposta, cheguei ao ponto de ônibus. Meu pai fez questão de proibir que minha mãe me buscasse e levasse à escola. Ele queria ter certeza de que eu teria a pior experiência possível e isso incluía me amontoar junto de pessoas mais cansadas do que eu, com o desodorante vencido, todos coladinhos, em pé, por mais de uma hora.

Se ele achava que eu iria ceder, estava muito enganado. Entraria no ônibus mais vazio que me aparecesse e tiraria uma carta de sua manga.

Enquanto esperava, avistei 1,65 m de garota correndo em minha direção. Com a mochila quase caindo de seu ombro e seu coque se desfazendo numa confusão de cachos e caneta.

Prendi a respiração e comecei a ensaiar como teria de ser aquela conversa.

O pior é que eu não sabia o que ela queria, não tinha como planejar um roteiro. E se minha voz saísse mais aguda do que o normal? Maldita puberdade. E eu provavelmente deveria estar com bafo de muito tempo sem comer e com a pele oleosa que minha mãe tanto tentava tratar.

Quando eu já estava a um passo de me enfiar debaixo do carrinho de churrasquinho, ela me alcançou.

— Esqueci de pegar seu Whatsapp.

— Pra quê? — Talvez eu tenha soado meio rude, a julgar pela forma como ela me olhou, mas foi a primeira coisa que escapou da minha boca.

— Pra gente conversar sobre o trabalho...? Eu nem sei seu endereço.

— Ah, claro... — Eu planejava conversar apenas na escola, mas tudo bem. E também não me lembrava de ter concordado em recebê-la em minha casa, mas okay.

— Então? — meneou a cabeça.

— Então o quê?

— Seu número.

— Ah, claro! Anota aí — falei meu número para ela que teclou a tela levemente trincada de seu telefone. Vi, sem querer mas querendo, que ela salvou meu número como "Bernardo Escola".

— Mandei mensagem pra você salvar meu número. — Continuou me olhando, esperando que eu salvasse o dela também.

— Não trouxe celular — expliquei —, quando eu chegar em casa eu te mando meu endereço.

— Claro, sem problema!

Andou até a mureta da parede da farmácia e encostou a bunda ali. Sentar era uma palavra muito forte. No máximo, dava para descansar as pernas.

— Está esperando o ônibus? — ela me perguntou. Era óbvio que sim. Sua intenção era puxar assunto.

— Tô.

Para não ser deselegante, me encostei ao lado dela, mantendo uma distância respeitosa e amigável, prestando atenção nos ônibus que passavam. A minha linha já havia passado três vezes, mas em todas elas a condução estava abarrotada de gente e eu não era sardinha para andar enlatado. Como disse a vocês, estava firme no meu propósito de pegar o ônibus vazio. Ademais, não tinha pressa para chegar em casa.

— Posso te fazer companhia enquanto espera?

— Hã... Pode. Vai pegar ônibus aqui também?

Estava realmente curioso. Nunca tinha a visto naquele ponto. Deduzi que pegava em outro lugar ou que ia embora de outro jeito.

— Não, não. Eu moro perto, vou andando. Mas quero fazer uma horinha antes de ir pra casa.

A tristeza disfarçada sob o bom humor e o incômodo quase imperceptível foram o que me chamaram a atenção. Se ela também não queria ir para casa, tínhamos um ponto em comum.

Quando um silêncio constrangedor ocupou lugar no meio de nós dois, ela tratou de expulsá-lo. Começou a tagarelar sobre sobre o trabalho e, de vez em quando, fazia um comentário aleatório sobre alguém que passava pelo ponto. Não sabia direito como deveria lidar com o bombardeamento de informações que saiam da boca dela. Pensei: ela, definitivamente, se tornaria uma daquelas idosas que senta ao seu lado e começa a falar do tempo.

Eu vasculhava o meu cérebro a todo vapor, em busca de um banco de dados que pudesse me fornecer informações úteis e relevantes para aquela conversa. Porém, quando eu encontrava algo minimamente interessante para dizer, ela já havia trocado de assunto.

Se meu ônibus não tivesse apontado na esquina, vazio como eu gostava, eu teria enlouquecido de vez.

— Eu tenho que ir — comuniquei, me levantando e ajeitando a mochila. — É meu ônibus — apontei com o dedão.

— Ah, claro! — Ela também se levantou e sorriu. — Vejo você amanhã?

"A gente se vê de segunda a sexta. Eu nunca falto e ela também não. Que tipo de pergunta é essa?", foi o que pensei. Mas não foi o que disse.

— Claro — acenei, virando-me de costas. Sem olhar para trás, peguei o ônibus.

Sentei com a cabeça encostada na janela, do jeito mais melancólico que pude. Queria ter certeza de que todos que me vissem soubessem que eu estava sofrendo. Não precisavam saber o motivo. Apenas que a vida de um jovem não é tão fácil assim.

Minha casa era do outro lado da cidade. Teria tempo o suficiente para dormir, mas contei quantas casas laranjas vi. Me distrair algumas vezes e perdi as contas, olhando os cachorros na rua. Sempre quis ter um cachorro.

Fiz de tudo para que minha mente estivesse em um lugar mais tranquilo. Algum lugar entre meu lar e minha escola. Uma ponte de paz.

Infelizmente, quando avistei a farmácia, depois a igreja, e então a cafeteria, fui obrigado a dar sinal para descer.

Caminhei cabisbaixo pela minha rua, o mais devagar que pude. Dei boa tarde para o porteiro. Enrolei para chamar o elevador. Encostei na parede do meu corredor, sentindo o cheiro da comida da emprega. Estava faminto. Teria entrado de imediato se não soubesse quem me esperava.

Quando finalmente reuni coragem, abri a porta. Olhei para a direita e lá estavam meus pais, na mesa da cozinha, almoçando. Mexiam em seus telefones. Minha mãe foi a primeira a me olhar.

— Como foi hoje, Bê? — perguntou ela.

Eu teria respondido se meu pai não tivesse levantado seus olhos para mim naquele momento e me dado a carinhosa saudação:

Olá, seu merdinha!











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