Capítulo 7

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— A Stephany me assusta um pouco — eu revelei ao meu psicólogo. 

— E por que isso? — Ele adorava perguntar o porquê de tudo. 

Olhei para o teto. Um moderno e pequeno lustre iluminava a sala, não de modo cegante, como seria em um consultório de dentista. De modo suave, ao invés disso. Emitia uma luz tímida que não era necessária, dada a claridade do próprio sol, que invadia a locação. Tinha uma caixinha de lenços de papel sobre a mesa de centro, juntamente com uma bomboniere contendo balinhas sem açúcar, e uma jarra de vidro, cheia de água, que fazia par com o copo que também estava ali. 

O couro do divã cinza em que eu estava estaria colando na minha pele se não fosse pelo ar-condicionado em temperatura ambiente, que me impedia de suar (em decorrência do aquecimento global). O baixo som da máquina de frescoe era a única coisa que nós dois podíamos ouvir enquanto eu pensava em um por quê.

Havia uma estante na parede à minha direita. Nela se via mais verde do que livros. Samambaias e sei lá quais outras plantas. Uma vez ouvi dizer que verde relaxa. Deveria ser por isso que aquelas plantas estavam ali, com o mesmo propósito de todo o restante da decoração. Tudo friamente calculado por um designer de interiores para fazer com que os pacientes se sentissem seguros e confortáveis.

Eduardo estava sentado em sua poltrona, que era feita do mesmo material que o divã dos mentalmente abalados. Meu psicólogo tinha as pernas cruzadas, com uma panturrilha sobre um joelho e um bloco de notas apoiado na coxa. Ele usava óculos pretos e quadrados, que refletiam o que o vidro atrás de mim revelava — o topo dos prédios de uma cidade sempre agitada nas sextas, às três da tarde. 

— Ela fala demais. — Ele continuou me encarando, esperando que eu completasse minha resposta. — E ela é uma boa observadora. Só que não é do tipo que observa e fica quieta. Ela faz comentários sobre o que observa. 

— Pode me dar um exemplo? 

— Ontem ela ficou esperando o ônibus comigo, tinha uma senhorinha falando no telefone com o marido. Em menos de dois minutos, Stephany concluiu que seria melhor a mulher se divorciar. 

— Considera isso um defeito nela? Opinar sobre a vida dos outros?

— Não — neguei de imediato. — Ela estava certa, aquela mulher realmente precisa de um bom advogado de divórcio pra ter paz! É só que... Ela é muito boa nisso e, se ela lê tão bem outras pessoas, fico pensando... O que ela lê em mim? 

— E como você se sente sobre isso?

— Desconfortável. Me sinto como uma ameba em um microscópio e ela é a cientista. 

— Por que escolheu essa palavra? — ele coçou a barba. — Ameba? 

Dei de ombros. — Eu sei lá. 

— É como você se vê? — Odiava quando ele fazia uma pergunta já sabendo da resposta.

— O que isso tem a ver com a Stephany? — rebati ao invés de responder. 

Veja bem, geralmente, eu sou um anjo na terapia, mas eu não estava no meu melhor dia. Nem mesmo sabia o porquê havia levado Stephany Bianca como assunto. Só queria falar sobre qualquer outra coisa que não fosse eu. 

Sim, eu sei. É justamente pra isso que as pessoas vão à terapia; para falarem de si próprias e de todas as merdas que não contam a ninguém mais. Acontece que eu gostava de apresentar minhas merdas muito bem organizadas para Eduardo — para que eu não me considerasse tão mentalmente instável quanto eu realmente era — e, naquele dia, elas estavam especialmente bagunçadas.

— Tem a ver com você. — Ele disse o que eu não queria ouvir. — Eu só estava pensando que, talvez ela te assuste justamente porque não consegue se esconder dela. Ela vai te perscrutar e, eventualmente, se pretendem passar mais tempo juntos, pelo menos até o trabalho ser entregue, ela vai acabar te conhecendo muito bem. Acredito que tenha medo de que ela te olhe por um microscópio e não goste do que vê. Assim como aconteceu com seu pai.

— Não quero falar sobre meu pai — eu disse, rispidamente. 

— Tudo bem. Sobre o que quer falar? 

Pensei bem, olhando para o quadro na parede atrás de Eduardo.

— Ela realmente fala demais. 

— Não gosta de pessoas falantes? — ele perguntou, bem humorado. 

— Não. Pior que não.

— Bem, Bernardo, nos nossos relacionamentos interpessoais, na vida, em geral, seremos obrigados a lidar com pessoas diferentes de nós. Pessoas com traços que achamos absolutamente irritantes. Tem de aprender a lidar com isso, pelo seu próprio bem-estar e pelo do outro.

— E como eu faço isso? — perguntei, um pouco mais debochado do que gostaria de admitir. 

— Existem pessoas naturalmente comunicativas. Stephany pode ser uma dessas. Mas Stephany Bianca também pode ser uma das pessoas que sentem a necessidade de se comunicarem excessivamente com "pessoas de fora" — fez o sinal de aspas com os dedos — porque não se sentem ouvidas por uma rede de apoio. Talvez nem tenham uma rede de apoio. Se você tiver isso em mente, pode começar a olhar para essa característica dela com olhos mais gentis. Sendo um pouquinho mais compreensivo. 

— Eu sou gentil! — entrei em minha própria defesa. — Eu deixo ela falar o que quiser, até o que me incomoda. 

— Pode me dar um exemplo de algo que ela falou e te incomodou?

— Aquele comentário sobre meu pai. Ela não estava errada, de novo, mas eu não queria saber que ela... viu, sei lá, essa parte de minha vida. Podia ter guardado pra ela. 

— E como você reagiu diante desse comentário que você considerou inapropriado?

— Eu mudei de assunto. Fui fazer o trabalho. 

— Pra quando é o trabalho? 

— Vinte e um de junho. 

— Então vocês têm ainda quase um mês de convivência obrigatória pela frente? — Eu concordei com a cabeça. — Então você pode estabelecer seus limites e deixá-los bem claros pra ela. Se vocês vão ter essa relação de parceira por mais quatro semanas, pode dizer a ela o que não gosta, quais assuntos são delicados, quais são suas barreiras que não devem ser forçadas. É um direito seu. 

— Eu sei que vocês da psicologia pregam que a comunicação é a chave da paz mundial, mas não sei se percebeu que eu não sou exatamente a melhor pessoa para diálogos. Não é meu jeito de resolver as coisas. 

— E qual é seu jeito?

— Correr e me esconder? — tentei fazer uma piada, mas ela fez uma breve anotação em seu bloco de notas. 

— Não precisa marcar uma reunião para conversar sobre isso. Pode ser de um jeito simples. Um "Podemos evitar esse assunto?" já resolve. Creio que ela saiba que há um espaço pessoal que precisa ser respeitado, mas precisa informá-la onde ficam as fronteiras.

— Tudo bem... Vou tentar fazer isso, mas não prometo nada. 

— E há um cuidado que você precisa tomar. 

— Olhar pros dois lados antes de atravessar a rua?

Ele riu. — Isso também. Mas tome cuidado para não expandir suas fronteiras para tão longe ao ponto de ninguém conseguir se aproximar de você. 

— E se eu gostar de ser solitário? — perguntei, muxoxo.

Eduardo desfez o cruzamento das pernas e curvou o corpo para frente, segurando o bloquinho de notas e a caneta nas palmas fechadas de suas mãos, e apoiou os cotovelos nas coxas. Olhou para mim, sorriu com afeto e aconselhou:

— Não precisa ser a pessoa mais sociável do mundo e nem ter mil amigos. Mas um dia você vai chorar e vai querer ligar pra alguém. Não deixe que suas atitudes, hoje, impeçam o seu eu do futuro de ter pra quem ligar.










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