Como eu amava química.
Como eu odiava aquela professora.Enquanto a professora Marcela fingia que tinha alguma didática e ensinava porcamente a matéria, apenas a escrevendo no quadro e julgando ser o suficiente, tudo que eu pensava era sobre como sentia falta da minha antiga escola. Eu sei, problemas bestas, coisa de adolescente. Sabia muito bem que o mundo tinha questões mais urgentes do que meu drama escolar e familiar. O mundo estava aquecendo e o Brasil estava prestes a testemunhar mais um Impeachment. Porém, ser posto em uma escola pública no último ano do ensino médio, após uma vida em escolas cujas mensalidades eram mais caras do que um salário mínimo, pode ser um baque e tanto.
Apesar de já saber o que eu queria para minha vida e de, modestamente falando, ser um rapaz inteligente, o ENEM continuava tirando meu sono. Havia passado a noite, em claro, estudando. Se aquela mulher não me ensinaria química orgânica, eu teria de aprender sozinho. Estava exausto. Meu copo térmico, cheio de café, era a única coisa que me mantinha acordado naquela manhã. Ah, claro. Não posso deixar de dar o devido crédito aos meus queridos e barulhentos colegas de turma. Deveria ser humanamente impossível dormir no meio daquela gritaria.
Bem, alguém dormia.
A Estéfanny/ Stephany (naquele momento eu não sabia qual era) estava sentada na mesa à minha frente. A cabeça abaixada, com um casaco cobrindo seu rosto e cachos. Não sabia como ela aguentava aquele moletom sobre ela. Deveria fazer mais calor naquela sala do que no inferno. O vento de um dos ventiladores saía quente e o outro estava desligado, já que ameaçava cair em cima dos alunos. Aquela garota deveria ter tido uma noite pior do que a minha para conseguir ficar apagada no meio daquele furdunço.
Quando acabou de escrever no quadro, a professora se dirigiu vagarosamente até sua cadeira, sem fazer nenhum contato visual com a turma. Sentou-se, desanimada, e abriu sua pauta, chamando nome por nome com sua voz arrastada.
Deveria ser um crime ser tão desinteressado em ensinar. Meu pai culpava os péssimos salários e a dupla carga horária que a maioria tinha de adotar. Mas eu nunca achei que isso fosse desculpa para fazer um serviço mal feito. Principalmente, quando se tratava de um papel tão importante na vida de alguém. O mínimo que aquela bruxa poderia fazer era tirar nossas dúvidas, mas ela nos ignorava. Com o tempo, a turma desistiu de perguntar e de reclamar na coordenação.
— Daiana.
— Eu.
— Diego.
— Presente.
— Estéfanny Ferreira.
— Aqui!
Então, era a Stephany com S quem dormia.
Todos arrumavam suas coisas nas mochilas e punham os celulares nos bolsos, para não serem roubados ou sacaneados na hora do intervalo. As minhas coisas ainda estavam sobre a mesa. Não que tivesse algo de muito valioso ali para que eu me importasse e meu pai também não me deixava levar o celular para a escola.
— Otávio.
— Presente, fessora.
— Paulo Henrique.
Silêncio.
— Paulo Henrique.
— Faltou! — gritou alguém, do fundo da sala.
— Pedro.
— Presunto!
— Poliana.
— Oi.
Um a um, respondiam afoitos. Alguns gritando e, em seguida, rindo com seu grupo de amigos, como se fosse a coisa mais engraçada do mundo.
— Priscilla.
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Cafeína e outros vícios
RomanceBernardo tentava, ao máximo, não odiar sua nova vida. Transferido para uma escola, com o ENEM batendo à porta, uma família nada compreensiva, e um total de zero amigos, tudo que queria era se formar de uma vez e trabalhar para construir uma vida pa...