O contrabando

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Evelyn decidiu que odiava mingau de aveia e decidiu isso no momento em que deixou o pote de lado e puxou a tigela de frutas para sua frente. Uvas e morangos não pareciam apropriados para o dia morno e chuvoso que estava fazendo, ela queria bacon. Bacon e panquecas pareciam mais do que apropriados e ela não sabia como a cozinheira não tinha pensado nisso. Ao invés disso, ela foi surpreendida por uma menina, negra e alta, de sorriso largo, que sentou na mesa na sua frente, com os olhos amigos e brilhantes.
- Se você pensar em bacon com mais força provavelmente todos os telepatas daqui até Michigan vão querer bacon no café da manhã.
- Ficou tão óbvio assim? - Riu levantando o ombro sem graça.
- Naomi. - Ela esticou a mão por cima da mesa e a estendeu para Evelyn.
- Evelyn. Pode me chamar de Eve.
- É verdade os boatos sobre você? Que você não tem família mágica? - Perguntou enquanto puxava o mingau de Evelyn para si.
- Vocês são bem rápidas com boatos, não é mesmo? Não estou aqui há muitos dias.
- Você precisa considerar que estamos falando de um grupo de meninas entediadas trancadas na mesma casa o ano inteiro... - Sorriu amigavelmente. - Então, é verdade?
- Sim, é verdade.
- Legal! - Abriu um enorme sorriso. - Tirando a parte que tem um potencial assassino na sua cola, claro.
- Óbvio. - Suspirou.
- Se você e Lavina quiserem podem sentar conosco, eu, Stella e Pippa. Sentamos sempre ali. - Apontou para uma mesa na esquerda. - Somos do terceiro ano.
- E o que vocês do terceiro ano fazem para se divertir? - Tentou ser amigável.
- Com Fae e Leena na nossa cola? - Riu. - Não falamos sobre como nos divertir no salão de refeições, com certeza. - Piscou para Evelyn.
- Eu esqueço que estou cercada de...
- Bruxas? - Interrompeu. - É fácil esquecer isso no primeiro ano, mas acredite, logo tudo que você vai ver vai ser esse mundo aqui.
- Qual é a da Fae? Quer dizer... toda aquela aura de hocus pocus?
- Fae é uma bruxa poderosa. Mexe com visões e é muito sensitiva, mas isso suga mais ela do que ela deixa transparecer. Magia tem um preço, você sabe, e Fae paga um valor alto pela dela. Dizem que ela está morrendo, mas quem não está, não é mesmo?
- De certa forma... e Leena?
- Leena? É uma boa bruxa, com certeza.
- E o ar dela de mãezona? - Riu irônica.
Naomi olhou fundo nos olhos da novata e viu o medo, a desconfiança. Ela conhecia a sensação, claro. Felizmente, sua mudança tinha sido suave com Leena, e ela tinha sido uma bruxa desde o dia em que nascera.
- Ela é, não é? Nossa mãe, de uma forma ou de outra. Ela certamente faz um bom papel. - E Naomi viu a surpresa em Evelyn. - Leena pode ser dura quando quer, e pode parecer uma chata, mas não a rejeite tão rápido, Eve. Esse mundo pode ser bem sufocante sem uma pessoa para fazer esse papel.
- Me desculpa... ai que eu me perco. Eu não vejo como alguém pode ser ok com a ideia dela nos bater.
- Você fez algo errado?
- Na visão dela. - Deu de ombros.
- Eu sei que eu mereci a minha última bronca. - Brincou. - Ouvir ela pode te manter longe de problemas.
- É difícil pensar sem um cigarro. - Confessou empurrando as frutas longe.
- Vem... - Naomi ficou em pé. - Vamos dar uma volta. Sem cigarros, e vamos dar uma volta na estufa, então não fique tão animada. - A menina olhou para os lados, e mostrou o interior do casaco. - É o melhor que você vai conseguir aqui dentro.
- Isso é....
- Um pacote de contrabando de sour patch kids (*doce em goma azedo) é o melhor que você vai conseguir aqui!
Evelyn quase riu, mas concordou que se aquilo era o melhor que ela iria conseguir, e se não tinha bacon, ela poderia conviver com seu destino por hoje. Seguiu Naomi até a estufa, e as duas se sentaram e abriram o precioso pacote de doces.
- Vocês não podem comer doces?
- Podemos, mas não sempre. Leena se preocupa... - Falou rindo. - Eu sei, mas temos que achar diversão aqui dentro. As meninas do último ano tem um monte de doces. Eu consegui esses da última vez que saí, mas não consigo trazer muitos por vez. Leena saberia e faria um discurso.
- Você tem idade pra decidir o que comer... - Falou mastigando a goma.
- Nesse mundo? Não. Não quando não sei como isso aqui vai afetar uma potencial magia minha... e também...
- Naomi? - A voz de Leena invadiu a estufa e fez a menina se levantar depressa de onde estava, escondendo o doce no casaco.
- Senhora?
- Pode, por favor, tirar as mudas de erva doce para mim do terrário?
- Sim, senhora. - Concordou. - Te vejo mais tarde? No pátio interno?
- Claro. - Evelyn concordou, suspirando.
Sentada, sozinha no chão, de pernas cruzadas, ela olhou para Leena, com cara de poucos amigos.
- Você consegue aparecer rápido nos lugares, não é mesmo?
- Tenho esse dom. - Riu. - Então, Naomi já te apresentou o mercado negro de doces de Moonfall?
- Como você... - Ficou pálida.
- Oh, minha querida, eu sei... - Riu divertida, passando a mão no cardigan vermelho. - Eu sempre sei. E confesso que movo uns pauzinhos para que o fluxo de doces continue chegando até elas. - Piscou. - Eu não sou uma pessoa tão ruim, sabia?
- Você dá doces para elas, por um terceiro?
- Como está sua marca? Ainda visível?
- Sim. - Confessou.
- Quero tentar fazer um magia, para descobrir se essa magia é boa ou ruim, muito provavelmente não é algo bom, então quero tentar remover. O que acha? Posso?
- Eu tenho escolha?
- Bom... tem. - Cruzou os braços. - Remover uma magia negra pode não ser muito divertido. Quase tão ruim quanto escolher ficar com ela em si...
- Certo. - Engoliu seco. - Do que estamos falando aqui? Dor?
- Talvez, sim.
- Que tipo de dor?
- Qualquer tipo. - Confessou. - Evelyn... a magia não vai querer sair do seu corpo. Provavelmente vai se agarrar como puder. Você ainda não tem defesas. Por isso colocamos tantas proteções na casa. Alunas dos primeiros anos são muito vulneráveis. Você se expôs, e agora temos este problema.
- Quando a magia sair, acaba? A dor?
- Sim. Muito embora você possa se sentir esgotada fisicamente por uns dias.
- Algo nesse mundo é simples ou fácil?
- Posso te conseguir bacon. - Falou sorrindo. - Você realmente estava pensando com força mais cedo...
- Vocês precisam aprender o conceito de privacidade aqui... - Bufou, se levantando. - Ok, vamos fazer.
- Ótimo, vamos procurar Lavina.
- Lavina? Ela vai ajudar?
- Não... mas raramente acontece isso aqui, pode ser um bom aprendizado para ela estar presente, não acha?
- Agora sou um show público?
Leena riu.
- Tudo bem se não quiser Lavina conosco...
- Anda logo. Vamos achar a Lavina.
- Eve? - Leena colocou a mão no ombro dela. - Eu apreciaria se mantivesse segredo, sobre os doces.
- Você é bizarra, sabia disso? - Sorriu de leve para Leena. - Não vou contar para ninguém, tem minha palavra.
E Evelyn ia esperar o precedimento para decidir se gostava ou não de Leena, definitivamente.

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