Capítulo 2

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     Morte pousou elegantemente atrás do jovem que olhava fixamente para o horizonte dividido entre o céu estrelado e o mar de águas escurecidas pela noite, os movimentos impressionantemente silenciosos, considerando o quão majestoso e poderoso era o bater de suas asas. Girando a foice entre os dedos, cantarolou para chamar a atenção do bruxo.
     -- Já decidiu quais serão seus próximos dois desejos? 
     Harry se levantou, batendo a areia das roupas, que era a mesma camisa laranja de botões e calça jeans surrada que estava usando quando foi assassinado. Erguendo o olhar firmemente para a divindade, perguntou:
     -- Quais são os meus limites? Tipo... Até onde eu posso ir? Tenho certeza que não posso pedir qualquer coisa, mesmo para você.
      -- Você está certo. Veja bem, meu poder divino é o de manipular almas mortas, posso fazer o que quiser com as almas cujas escolhas ou ações levaram ao fim do funcionamento de seu corpo físico. Se seu pedido estiver dentro dos limites do meu poder, posso realizá-lo.
     -- Você poderia enviar minha alma para o passado?
     -- Sim.
     Harry fez uma pausa, fazendo um cálculo rápido. Era uma subtração simples, mas que precisava ser exata, caso contrário ele não conseguiria efetuar tudo que desejava.
     -- Quero que me leve para a Londres de 1923. 
     Um sorriso cruzou os lábios pálidos da divindade, que girou e apontou a foice para Harry, exclamando num tom alegre:
     -- Que assim seja.
     O ambiente ao redor de Harry começou a ficar fora de foco, as imagens girando num redemoinho bizarro de cores e ele sentiu que flutuava, seu corpo leve como o vento. Quando ele sentiu seus pés entrar em contato com o solo novamente e o lugar ficou nítido, ele se viu num beco, o céu azul e limpo aparecendo acima no espaço entre os prédios, o clima frio típico de uma manhã inglesa. Um homem passou pelo beco, uma mulher agarrada no seu braço, as vestes formais muito ultrapassadas para pertencerem a 1998.
     Harry sorriu.

                                               XXXXXX

     Uma mulher tropeçou pelas calçadas de Londres.
     Seu estado era deplorável: profundas olheiras arroxeadas se espalhavam por debaixo de seus olhos, a pele de um tom de palidez preocupante se agarrava aos ossos, os cabelos altamente emaranhados pesavam de sujeira e o tecido cinzento que usava nem poderia mais ser chamado de vestido. Seu andar era cambaleantes, arrastado, e sua expressão sofrida mostrava que cada passo era doloroso. Mérope adentrou um beco e deslizou até o chão, se encolhendo no canto mais escuro, onde era parcialmente ocultada.
     Suas mãos trêmulas repousaram na protuberância sutil em seu ventre, onde uma vida crescia, e repetiu a si mesma que precisava continuar pelo seu bebê. Sabia que não duraria mais de um ano, mas esperançosamente conseguiria ficar viva tempo suficiente para que o filho dela e de Tom nascesse, pois morreria em paz se o fruto do "amor" deles permanecesse nesse mundo, marcando a história que ambos tiveram.
     Mérope fechou os olhos, procurando em si forças para prosseguir, permanecendo assim até que o barulho de passos penetrou seus ouvidos. Um homem entrou no seu campo de visão, este não parecendo ter mais de 21 anos, um tanto baixo para a idade que aparentava, suas vestes eram obviamente bruxas e pareciam serem caras. Ele se agachou em frente a mulher, a fazendo se encolher, e lhe ofereceu um sorriso calmo e sincero. Mérope não se lembrava de ter recebido um sorriso assim antes...
     -- Não se preocupe, senhorita, não pretendo machucá-la. -- Sua voz era suave, calorosa e firme, dando total credibilidade a sua afirmação e causando relaxamento quase automático em Mérope.
     Seus lábios se moveram novamente, mas dessa vez foi para pronunciar o latim utilizado para comandar a magia pessoal e a submeter a sua vontade, e Mérope sentiu suas pálpebras pesarem. Harry observou a mulher lentamente ser envolvida pela sonolência do feitiço, até está totalmente adormecida, sua respiração soando pesada. Ele passou um braço pelos seus joelhos e fez o mesmo com o tronco, a erguendo com o máximo de delicadeza que conseguia, aparatando logo em seguida. Pousou numa ponte de pedra, que levava para as portas duplas de um majestoso castelo, cercado por um lago e pela floresta agraciada com biodiversidade. Essa era a propriedade particular da família Peverell, que tem sido seu lar nos últimos 3 anos.
     As portas se abriram magicamente, reconhecendo a chegada de seu legítimo dono. Harry percorreu os corredores e escadarias, saudáveis elfos domésticos cumprimentando seu senhor com rápidas reverências quando este passava, até chegar a um quarto luxuosamente decorado com cores quentes, depositando a mulher na enorme cama de lençóis vermelhos. Sacando uma seringa, ele aplicou o líquido arroxeado na veia de um dos braços, observando com satisfação a palidez de sua pele melhorar e sua respiração regular. Com um simples estalar de dedos, um elfo doméstico surgiu no quarto.
     -- Em que Agla pode servi -lo, Lorde Peverell?
     -- Fique aqui vigiando e, quando está senhorita acordar, vá me chamar imediatamente. -- Harry afirmou e, embora tudo tenha sido dito como uma ordem, sua voz permaneceu suave, algo raro quando os donos se dirigiam diretamente a seus elfos domésticos.
     -- Sim, senhor. -- A elfa respondeu alegremente.
     Harry sorriu e saiu em direção ao seu escritório, pois precisava resolver toda a burocracia que envolvia abrir duas empresas filiais numa área bruxa americana. Se há três anos atrás tivessem dito para ele que seria o dono de três empresas focadas  na venda de poções e seus respectivos ingredientes, Harry teria rindo da imbecilidade do indivíduo e esfregado os resultados dos seus N.O.M's de poções na cara da pessoa. Mas aqui estava ele...

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