O ideal de todo e qualquer natural da Bruzundanga é viver fora do país. Pode-se dizer que todos anseiam por isso; e, como Robinson, vivem nas praias e nos morros, à espera do navio que os venha buscar.
Para eles, a Bruzundanga é tida como país de exílio ou mais do que isso: como uma ilha de Juan Fernández, onde os humanos perdem a fala, por não terem com quem conversar e não poderem entender o que dizem os pássaros, os animais silvestres e mesmo as cabras semi-selvagens.
Um dos meios de que a nobreza doutoral lança mão para safar-se do país, é obter empregos diplomáticos ou consulares, em falta destes os de adidos e "encostados" às legações e consulados.
Convém notar que, quando digo que a ânsia geral é viver fora do país, excetuo os ativos, aqueles que sugam dos ministérios subvenções, propinas, percentagens e obtêm concessões, privilégios, etc. Este demoram-se pouco fora dele e, seja governo o partido radical, seja governo o partido conservador, esteja o erário cheio, esteja ele vazio, sabem sempre obter fartos e abundantes recursos monetários de um modo de que só eles têm o segredo.. Estes senhores gostam muito da Bruzundanga e são ferozes patriotas.
Mas, como lhes contava, os nobres doutores tratam logo de representar o país em terras estranhas.
Não fazem questão de lugar. Seja no Turquestão ou na Groenlândia, eles aceitam os cargos diplomáticos.
A um, perguntei:
— Mas tu vais mesmo para o Anam?
— Por que não? Não há lá mulheres?
O sonho do jovem diplomático não é ser Talleyrand; é ser Don Juan para uso externo.
Ia até bastante satisfeito, disse-me em seguida, porquanto, lá, não se distinguindo bem a mulher anamita do homem, devia acontecer surpresas bem agradáveis com semelhante "engano d'arma ledo e cego".
A sua aprendizagem para o ofício é simples. Além do corriqueiro francês e os usos da sociedade, os aspirantes a diplomatas começam nos passeios e reuniões da capital da República a ensaiar o uso de roupas, mais ou menos à última moda. Não esquecem nem o modo chicde atar os cordões dos sapatos, nem o jeito ultra fashionablede agarrar a bengala; estudam os modos apurados de cumprimentar, de sorrir; e, quando se os vê na rua, descobrindo-se para aqui, chapéu tirado da cabeça até à calçada para ali, balouçando a cabeça, lembramo-nos logo dos cavalos do Cabo de coupé de casamento rico.
Outra cousa que um recomendável aspirante a diplomata deve possuir, são títulos literários. Não é possível que um milhar de candidatos, pois sempre os há nesse número, tenham todos talento literário, mas a maior parte deles não se atrapalham com a falta.
Os mais escrupulosos escrevem uns mofinos artigos e tomam logo uns ares de Shakespeare; alguns publicam livros estafantes e solicitam dos críticos honrosas referências; outros, quando já empregados no ministério, mandam os contínuos copiar velhos ofícios dos arquivos, colam as cópias com goma-arábica em folhas de papel, mandam a cousa para a Tipografia Nacional do país, põem um título pomposo na cousa, são aclamados histo- riadores, sábios, cientistas e logram conseguir boas nomeações.
Houve um até que não teve escrúpulo em copiar grandes trechos do Carlos Magno e os doze pares de França, para ter um soberbo título intelectual, capaz de fazê-lo secretário de legação, como ainda o é atualmente.
O mais notável caso de acesso na "carreira" foi o que obteve o adido à Secretaria de Estrangeiros Horlando. Em um jantar de luxo, houve uma disputa entre dois convidados sobre uma qualidade de peixe que viera à mesa. Um dizia que era garoupa; o outro que era bijupirá. Não houve meio de concordarem. Horlando foi chamado para árbitro. Levou amostras para casa. Mandou tirar fotografias, fez que desenhassem estampas elucidativas, escreveu um relatório de duzentas páginas, e concluiu que não era nem garoupa, nem bijupirá, mas cação. O seu trabalho foi tido como um modelo da mais pura erudição culinária e o moço foi logo encarregado de negócios na Guatemala. É hoje considerado como um dos luzeiros da diplomacia da Bruzundanga.
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Os Bruzundangas
General FictionA obra é uma sátira da vida brasileira nos primeiros anos da Primeira República, Bruzundanga é um país fictício, onde havia, tal a como na Primeira República, diversos problemas sociais, econômicos e culturais, entre os quais os títulos acadêmicos...