Capítulo XXII: Notas Soltas

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Um anúncio de livraria, na Bruzundanga:

"Acaba de aparecer o extraordinário romance — Meu caro senhor..., de Dona Adhel Karatá (pseudônimo de Hiralhema Sokothara Lomes, filha do grande poeta e escritor Sokothara Lomes, cujas assombrosas glórias literárias ela continua com muito brilho, e irmã do fino estilista e elegante parlamentar Carol Sokothara Lomes). À venda, etc., etc."

Lá, na Bruzundanga, os mandachuvas, quando são eleitos, e empossados, tratam logo de colocar em bons lugares os da sua clientela. Fazem reformas, inventam repartições, para executarem esse seu alto fim político.

Há, porém, dois cargos estritamente municipais e atinentes à administração local da capital da Bruzundanga, que todos os matutos amigos dos mandachuvas disputam. Os mandachuvas, em geral, são do interior do país. Estes cargos são: o de prefeito de polícia e o de almotacé-mor da cidade. Não só eles são rendosos, pelos vencimentos marcados em lei, como dão direito a propinas e outros achegos.

O de chefe de polícia rende, na nossa moeda, cerca de vinte contos por ano, só nas taxas cobradas às mulheres públicas; o de almotacé-mor da cidade, esse então não se fala...

Sendo, assim, lugares em que se pode enriquecer, não faltam doutores da roça que os queiram e empreguem todas as armas para obtê-los.

Eles mal conhecem a cidade. Se a visitaram ou se mesmo residiram nela, nunca lhes foi possível passar das ruas principais e daquela em que estiveram morando; de forma que lhe ignoram as necessidades, os defeitos a corrigir, a sua história, a sua economia e as queixas de sua população.

Houve um prefeito de polícia que, vindo diretamente da província das Jazidas para a sua prefeitura em Bosomsy, nada sabia da cidade, nem mesmo as ruas principais. Metódico, econômico, por estar muito preocupado em desagravar as suas propriedades, de hipotecas, nos primeiros meses de sua gestão limitava-se a ir de casa para a prefeitura no seu automóvel oficial, e voltar dela para a sua residência, também no seu automóvel burocrático.

Certo dia cismou em percorrer, a pé, um dos mais centrais boulevards da cidade. Esta recente via pública cortava muitas outras estreitas da antiga cidade e, em todas as esquinas, ele encontrou os urbanos (guardas civis) nos seus postos. Todos estes modestos policiais da cidade o cumprimentavam respeitosamente e o prefeito ficou muito contente com a sua administração. Chegou, porém, em um dado cruzamento de rua donde, de uma estreitinha, tanto da direita como da esquerda, saíam e entravam magotes de povo. Que rebuliço será esse? pensou ele. Será uma grève? Um motim? Que será?

O prefeito, assustado, medita logo providências, quando se lembra de pedir ao urbano explicações diretas, sem ir pelos canais competentes:

— Que quer dizer tanto povo aí, nessa rua? perguntou ele esquecido da celestial altura em que estava.

— Não há nada, senhor prefeito. É sempre assim, acudiu o urbano, levando a mão ao boné.

— Como?

— Vossa Excelência não sabe que esta é a rua mais transitada da cidade, e que é a antiga Rua do Desembargador?

O prefeito não conhecia, senão de ouvido, a rua mais célebre do país, dentre todas as ruas célebres das suas principais cidades.

Com um almotacé-mor da cidade, deu-se um caso quase semelhante. Este arconte tinha nascido na província dos Bois, e, apesar de viver desde há muitos anos na capital da Bruzundanga, pouco a conhecia. Quando foi provido no seu cargo, quis fazer em horas o que não havia feito em anos. Tomou o automóvel oficial (certamente) e mandou tocá-lo para os arredores de Bosomsy. Admirou-se muito de que não houvesse por eles, matadouros de gado bovino, pois nos da sua pequena, pequeníssima cidade natal, os havia em quantidade. Não viu senão essa falta e deixou de ver as terras abandonadas, incultas, as estradas esburacadas, terras em que um bom almotacé ainda podia, com proveito, animar o plantio de árvores frutíferas, hortaliças, legumes e a criação de pequeno gado, na zona rural.

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