Capítulo VIII: A Constituição

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Quando se reuniu a Constituinte da República da Bruzundanga, houve no país uma grande esperança. O país tinha, até aí, sido governado por uma lei básica que datava de cerca de um século e todos os jovens julgavam-na avelhentada e já caduca. Os militares do Exército, iniciados nas sete ciências do Pitágoras de Montpellier, — criticavam-na da seguinte forma: "Qual! Esta constituição não presta! Os que a fizeram não sabiam nem aritmética; como podiam decidir em sociologia?"

Escusado é dizer que isto não era verdade, mas o critério histórico deles e o seu orgulho escolar pediam fosse.

Os outros doutores também achavam a Constituição monárquica absolutamente tola, porque, desde que ela fora promulgada, havia surgido um certo jurista alemão ou aparecido um novo remédio para erisipelas. A nova devia ser uma perfeição e trazer a felicidade de todos.

Reuniu-se, pois, a Constituinte com toda a solenidade. Vieram para ela, jovens poetas, ainda tresandando à grossa boêmia; vieram para ela, imponentes tenentes de artilharia, ainda cheirando aos "cadernos" da escola; vieram para ela, velhos possuidores de escravos, cheios de ódio ao antigo regime por haver libertado os que tinham; vieram para ela, bisonhos jornalistas da roça recheados de uma erudição à flor da pele, e também alguns dos seus colegas da capital, eivados do Lamartine, História dos girondinos, e entusiastas dos caudilhos das repúblicas espanholas da América. Era mais ou menos esse o pessoal de que se compunha a nova Constituinte.

Tinham entrado no ritual da nova República os banquetes pantagruélicos; e, nas vésperas da reunião, houve um de estrondo.

À sessão inaugural, prestou guarda de honra uma brigada; mas, bem contando, era unicamente um batalhão.

Quando saíram os constituintes, Z., um deles, perguntava de si para si:

— Que vou propor eu?

H. excogitava:

— Devo ser pelo divórcio? Esses padres...

B. meditava:

— Antes não me metesse nisto. O imperador pode voltar e é o diabo...

Quase todos, porém, consideravam com toda a convicção, com todo o acendramento, com um recolhimento religioso:

— Qual a Constituição que devemos imitar?

Em geral, eles esperavam ser escolhidos para a comissão dos vinte e um que tinha de redigir o projeto da futura lei básica, e era justo que tivessem semelhante preocupação absorvente:

— Qual a constituição que devemos imitar?

Votado o regimento interno da grande assembléia e tomadas todas as outras disposições secundárias, a comissão dos vinte e um membros, encarregada de redigir o projeto, foi escolhida; e, em reunião, houve entre os seus membros caloroso debate a respeito de quem deveria ser o relator ou os relatores.

Escolheram, afinal, três sumidades: Felício, Gracindo e Pelino, todos eles — ben— qualquer cousa.

O resto pôs-se a descansar e os três, em sala separada, no dia seguinte, juntaram-se e trataram dos moldes em que devia ser elaborada a nova Magna Carta.

Pelino foi de parecer que a constituição futura devia ser vazada no cadinho em que fora a do país dos Houyhhnnms.

— É um país de cavalos! exclamou Gracindo.

— Que tem isto? retrucou Pelino. Nós somos bastante parecidos com eles.

— Não, não queremos, objetaram os dois outros.

— Então, como vai ser? perguntou Pelino. Se não querem à moda dos cavalos, não podemos achar outro modelo, pois o país dos camelos não tem constituição.

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