CAPÍTULO 1

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  Manhã de segunda-feira. Parece tão clichê descrever esse dia da semana. Hoje, poderia ser uma sexta. A verdade é que não faz tanta diferença já que passo a semana toda dentro de casa, só saio para fazer coisas básicas como comprar, ir ao médico e... Só. 
 
 Estou no último período de Ensino Superior à distância, pois meus pais tem medo que eu me corrompa. Eu garanti manter a minha fé, porém não decidi brigar. Entendo suas preocupações, já que perdemos muitos cristãos para o pecado.

  Nas terças, quintas e domingos, nos reunimos na casa do pastor em pequenos grupos. Nos outros dias da semana, outro grupo adorava a Deus, já que não podíamos expor a nossa fé. Orávamos incessantemente pela justiça de Yavé Shamá

  Pela manhã, participo das aulas da faculdade de Direito. A tarde, reviso alguns conteúdos e, depois me concentro nos estudos bíblicos. Já a noite, faço curso de português a fim de escrever meu livro, pois sei que os brasileiros dão mais valor a literatura. Pelo menos é o que um grupo deles demonstram no Telegram.

  Levanto às sete para fazer minha higiene e encher o bucho na intenção de suportar as longas quatro horas de aula.
— Bom dia! — cumprimentei meus pais com um beijo na testa de ambos. Eles me recebem com o sorriso admirável de sempre.
  Separei a variedade de alimentos no prato, notando depois de segundos o silêncio. Eles sempre me perguntam como foi a noite. Quando ergui os olhos, me encaravam.

— O que eu fiz? — Perguntei sem jeito.

  Mamãe fitou seu companheiro confidencialmente.
— Filha, nós temos algo para te falar. — Ele começou. — Eu e sua mãe pensamos muito e achamos melhor que fosse concretizado... A verdade é que nós sempre tivemos a intenção de te proteger, porém percebemos sua capacidade de lidar sozinha com as adversidades... — Pigarreou. — Toma. — Entregou-me uma chave.

— Vou morar sozinha? — Franzi o cenho um tanto decepcionada.

— Não, querida. — Mamãe sorriu. — Essa é a chave do porão, o lugar que tanto pediu-nos para estudar alegando ser silencioso.

  O sorriso alargou-se, revelando minha felicidade em possuir um sonho de anos! Meu pai sempre negava, tinha medo de acontecer algo comigo lá dentro.
  O porão me encantou pelo fato de ser extenso e nada de que uma bela reforma não pudesse reparar os danos. Me quarto é pequeno, cabendo uma apenas uma cama de solteiro, um guarda-roupa e uma mesa de estudo. Meus dedos do pé já estão calejados de tanto tombar nos móveis por falta de espaço.

— Obrigada, de verdade. — Sorri. — Esse porão significa tanto para mim. Também sei que o senhor tem certo receio sobre ele, mas prometo mudar o nome. Posso pensar em como chama-lo já que a expressão "porão" te dá calafrios. — Caçoei levando-os a rirem.

— Eu tapei as janelas maiores, deixando apenas uma pequena para ventilar o ambiente. Me prometa que manterá travada quando não estiver no quarto. — Pediu.

— Pode deixar, coronel. — Bati continência.

  Depois do presente, terminei meu café e retornei ao quarto a fim de assistir a aula. Mesmo indisposta, entediada de viver a mesma rotina sem poder conhecer os países a fora, livrar-se do cativeiro torturante, mantinha a fé que executaria minha profissão com êxito. 

  Sentia-me plantada sobre terra seca, onde suas plantas teriam que esperar o período de chuva a fim de cumprir suas pendências. Imagine ter que aguardar uma estação durante meses no intuito apenas de regar algumas sementes e as fazê-las crescer. 

  Clamar por um objetivo que parece até inútil para Yavé. Aliás, esse pensamento negativo emprenhou na minha cabeça durante um tempo, porém meus pais me incentivaram a continuar crendo no poder de Deus. Quem ora tem resposta, quem busca encontra e quem insiste obtém! 

  Fugir do pecado em num território corrupto é um desafio, mas como o apóstolo Tiago adverte aos cristãos "*Resisti ao diabo e ele fugirá de vós". Até que ponto podemos repelir as tentações malignas? Certamente vigiando e orando. 

  Os ensinos aplicados em nossa comunidade cristã não serviram para alguns. Eles, simplesmente, cansaram de lutar e acabara a ceder às pressões. Muitos dos nossos, voltaram seu olhar para as falsas riquezas de Bórneo e se perderam no caminho. Alguns até morreram ao omitirem sua fé a fim de sobreviverem, mas não obtiveram êxito.

Sobreviver?

 Mas que mal há na outra parte de Bórneo, onde nomeamos "Kalimantann"? Depois que nosso povo foi injustamente proibido de professar sua fé, nos separamos da Província e nos abrigamos em uma floresta. Nela, construímos nossas casas. Ainda temos acesso livre a Bórneo, podemos comprar, usufruir, trabalhar, porém nunca, em hipótese alguma, admitir nossa crença. 

 Trabalhar para servir o reino é escravidão, pois sempre estão comemorando festas pagãs. Festas que são reputadas pelos seus ritos macabros a olho nu, manifestações de entidades malignas que segundo eles, trazem proteção ao território. 

 Para o Rei, não existem mais cristãos. Ele acredita que todos foram mortos a vinte e dois anos atrás e se sonhar que prestamos culto ao Senhor, certamente morreremos queimados. 

 Fico tentando estudar como sairemos dessa situação precária, já que não há quem pregue e por mais que amemos o evangelho, preferimos manter a vida na espera de um milagre. Segundo meus pastores, Yavé se revelou, alegando que chegou o tempo de fazer justiça e nós precisaríamos perseverar na oração, pois o que há de vir virá e não tardará. 

  Essa revelação ascendeu a chama da fé em nós, por isso nos reunimos com mais frequência no intuito de se revestir com as armaduras de Efésios seis a fim de suportar a guerra vindoura. 

  Minha aula terminou ao meio dia, por isso me direcionei até a cozinha a fim de almoçar. Meus pais estão em seus respectivos trabalhos. Mamãe atua como doméstica, prestando serviços as madames do Rei. Essas não são fanáticas pela religião, são discretas e sigilosas. Até gostam de minha mãe, retribuindo-a com presentes e doações de alimentos. Se preocupam por saberem que moramos na floresta, um tanto afastados do povo.

  É espanto para todos da cidade quando sabem da nossa localização, mas os confortamos ao garantir que nossas casas são comuns. Afinal, na floresta não há um grande fluxo de árvores e se caminhar por ela, logo verá os grandes muros que nos impedem de sair da Província. 

  Bórneo também é rica na prática agrícola. Com isso, posso afirmar que meu pai atua como agricultor. Teve que aprender a lidar com outras especialidades já que deixou de servir o exército. 

  Mamãe havia preparado um ensopado de carne que aprendeu com umas das domésticas que trabalha no palácio. O cheiro estava magnífico apesar de frio. Então, coloquei no microondas. 
  Ficava na maior parte do dia sozinha, trancada e só abria a porta para conhecidos. Mesmo que todos ao meu redor sejam cristãos, papai não permite que ofereça licença para que entrem. Infelizmente não podemos confiar em ninguém ou, pelo menos, quase ninguém.

  Depois de devidamente satisfeita, escovei os dentes e corri para o porão. Ele havia pintado as paredes danificadas. Como fez isso sem que eu percebesse? Provavelmente de madrugada. Era a parte do dia em que meu pai ficava acordado na sua busca incessante pela resposta de Deus sobre o tempo que estamos vivendo. O tempo que parece não ter fim.

  Sorri emocionada com o cenário. Criei diversas ideias na mente para aquele lugar, eu daria vida a ele, faria a morada do Deus eterno, seria o local do meu encontro com Ele, seria nosso lugar secreto, e ali, com certeza, eu o encontraria.

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 E então...? O que acharam desse início? Já tem suposições de como terminará essa emocionante história? Não se esqueçam de deixar estrelinhas para que mais vidas sejam alcançadas por Deus! Você pode ser um canal de bençãos para alguém. 

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