A Garota do Lago

Folhas Secas

- Onde é o início que você falou? - perguntei caminhando a passos largos ao lado de Demétrio que não me encarava. Ele apenas continuava andando pra frente com a mandíbula travada.

- Não é onde e sim quando... - parou franzindo a sobrancelha. Ele parecia preocupado.

- o quê? - franzo a testa sem entender o que ele quis dizer.

- Você vai precisar lembrar, Sophie... De tudo. - voltou a andar. O semblante dele estava muito sério. Aiden estava indo buscar o carro enquanto eu tentava fazer com que Demétrio entrasse no mesmo, mas ele conseguia apenas andar em frente. Parecia muito preocupado com algo.

- E qual o problema nisso? Porque está tão aflito? - o parei pondo a mão em seu peito coberto por uma fina camisa preta. O coração dele estava acelerado. Muito acelerado. Ele baixou os olhos ficando a poucos centímetros de mim encarei os grandes olhos claros dele. - Do que você tem tanto medo que eu lembre, Demétrio? - ele desviou o olhar e eu apenas me afastei.

Aiden buzinou pedindo pra que entrássemos e eu fui a passos largos para o carro dele. 

- Vão na frente. Tenho que encontrar algumas coisas pra que tudo saia como esperado. Me encontrem às 18h na minha casa. - franzi a testa querendo saber o porque de ele estar tão estranho, mas entrei no carro e fomos nos afastando vendo apenas as costas de Demétrio se afastarem.

- Você acha que isso vai dar certo? - perguntou Aiden acariciando minha mão com o polegar.

- Tem que dar. - respondi com os olhos vidrados na paisagem que passava pela janela. Era por minha causa que tudo aquilo estava acontecendo.

Após algumas horas seguimos para a casa de Demétrio. Meu coração parecia que pularia da boca. Estava preocupada com Nancy e com tudo que havia acontecido naquele dia. Não conseguia tirar o olhar preocupado de Demétrio da minha mente. O que ele não queria que eu soubesse? Era nossa única chance de destruir Genevieve e eu não podia deixar que desse errado de jeito nenhum. 

- Você está bem? - perguntei quando vi Aiden cutucar pela milésima vez o bolso da jaqueta preta dele. Ele estava tentando disfarçar, mas era óbvio o estado ansioso que ele estava. Ele apenas assentiu colocando os cabelos pra trás.

Entramos na sala de Demétrio e havia uma mulher sentada com ele. Sua pele era negra e ela parecia ter saído de uma revista de tão linda que era.

- Até que enfim chegaram... - Demétrio começa. Ele deu um sorriso de lado. Parecia mais relaxado que pela manhã.

- Conseguiu tudo o que precisava? - perguntei meio ansiosa. Estava com medo do que poderia vir a descobrir.

- Ela era tudo que precisava. - apontou para a moça que me olhava sorrindo. - Essa é Sophie, Sophie, essa é a Lia.

- É um prazer, Lia. - estendi a mão pra ela que a apertou.

- Uh... Ela é mesmo durona. - falou ainda segurando minha mão e Demétrio sorriu. - Você passou por tanta coisa. - entristeceu o olhar.

- Como você sabe? - perguntei notando que ela ainda estava segurando minha mão. - Você é algum tipo de...

- Bruxa? - sorriu assentindo. - É um dos nomes que me dão, mas eu prefiro Feiticeira. Acho mais charmoso. - sorriu mostrando todos os enormes e belos dentes brancos. Realmente ela era encantadora. Olhei pra Aiden e Demétrio que pareciam tão encantados quanto eu e limpei a garganta.

- Bom... O que vamos fazer então? - perguntei me sentando de frente para Lia.

- Vai ser mais difícil do que eu esperava. Não posso garantir 100% de eficácia... - comentou Lia e eu a cortei.

- Não temos outra opção, Lia... Precisamos muito desses 100%. - ela assentiu.

- Farei o que puder. Pode ter certeza. - sorriu.

- Você já fez isso antes? - perguntei me endireitando no sofá, me acomodando ao lado de Aiden e ela assentiu novamente.

- Já... Diversas vezes, mas apenas com humanos ou inumanos. Nunca com alguém acima de minha espécie. - sorriu. - Posso dizer que é uma verdadeira honra estar aqui e que farei tudo o que puder pela nossa grande Mãe... A Deusa Tríplice. - me senti um pouco incomodada pelo peso das palavras dela, mas apenas assenti meio sem jeito.

- Por onde começamos? - perguntei.

- Primeiro precisamos de três coisas. - falou pondo duas sacolas sobre a mesa. - Pinheiros Pinus Longaeva. Uma das árvores mais antigas do mundo. Um pedaço do começo. - Observei ela abrir o saco com várias folhas secas da tal árvore. - Uma prova do sangue ruim. - vi Demétrio cortar a própria mão com uma faca e pingar o sangue dentro de uma tigela. - Que é quem te fez esquecer de tudo. E por último... Posso? - perguntou pegando o colar de meu pescoço. Ela sussurrou algumas palavras e o devolveu. - Aperte bem no meio da pedra. - pediu me entregando a tigela e eu o fiz, quando o apertei o colar se esfarelou por completo. Não consegui esconder a cara de surpresa.

- O quê? - perguntei incrédula. - Eu tentei destruir esse colar de todas as maneiras. - Aiden olhava tudo tão intrigado quanto eu.

- Não iria quebrar nunca. - sorriu. - Precisava destravá-lo pra poder ser usado. Vamos precisar fazer um chá agora... - Ela misturou todos os ingredientes. De repente uma chama tomou conta das misturas que foi abaixando aos poucos. Ela virou a tigela de lado escorrendo dentro de um copo e me deu.

- O que vai acontecer quando ela tomar isso? - perguntou Aiden preocupado e segurei sua mão sorrindo pra ele agradecendo mentalmente por ele estar ao meu lado.

- Bom, ela vai cair em um sono profundo. Sair dele ou não só vai depender dela. - eu a olhei incrédula. - Para algumas pessoas voltar a realidade é algo muito doloroso depois de bater de frente com traumas passados. Realmente não tenho como dizer como vai ser com você, porque é novo pra mim também.

- É por sua conta e risco. - Demétrio concluiu.

- Não, Sophie... É arriscado demais. - apertou minhas mãos com os olhos em súplica.

- É o único jeito! Não se preocupe, meu amor... Eu vou voltar pra você! - falei virando o líquido estranho sentindo minha garganta pegar fogo como se eu toda fosse me derreter. 

Meu coração começou a bater descompassadamente. Soltei a xícara no chão e tentei olhar para meus dedos, mas parecia estar desmoronando. Minha vista turva aos poucos foi se apagando e tudo que consegui enxergar foi o escuro total.

"A linha entre o bem e o mal é muito tênue. Até mesmo a melhor das criaturas pode ser corrompida. Achamos que nossas escolhas traçam nosso destino, mas há coisas que estão predestinadas a acontecer. Não lute contra isso, aceite seu destino."