Soníferos não matam

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As luzes passavam entre as copas das árvores enquanto o silêncio profundo era interrompido pelo canto das cigarras ao redor. A natureza no meio da floresta chegava a ser assustadora porque os ataques não tinham absolutamente nenhum aviso prévio; foi observando a natureza e os sistemas que a garota entendeu como deveria agir na surdina.

Depois de ter caminhado alguns quilômetros, Aiyra não sentiu nada a não ser um tremor nos pés. Decidiu, então, sentar-se entre as raízes grandes e profundas de uma das bilhões de árvores daquela região.

Abriu então a mochila com alguns equipamentos e logo encontrou a ração que Kelue havia lhe dado. Apesar do nome instigar algo inferior, era apenas um nome comum a uma mistura de comida razoável que poderia satisfazer as necessidades do corpo.

Depois de se alimentar, pegou a caixa biodegradável e dobrou-a, abriu então um buraco no chão e enterrou o pacote ali. Seguiu o caminho após o procedimento.

Levantou o braço direito e olhou em direção ao relógio. De acordo com a posição que Lena havia lhe mostrado no mapa digital dentro da instalação da Ordem, Aiyra estaria a exatas duas horas da ONBA, localizando-se no topo do morro na direção norte.

“Hm... Então a placa está lá em cima, hein? É um desafio maior do que eu pensei” Pensou.

O morro não era muito alto, ainda suficiente para ser classificado desta forma. No entanto, um pouco mais acima dele, uma elevação de terra muito mais alta se fazia presente — provavelmente era o lugar mais seguro para se viver quando haviam chuvas intensas, ou não. Os riscos eram grandes com as enchentes e com as trovoadas; não havia onde se refugiar. O inverno se disfarçava de verão de vez em quando e as chuvas como essas se tornaram mais comuns.

As escadas velhas estavam penduradas aos pedaços. O elevador não tinha condição alguma de funcionar — estava completamente enferrujado. A instalação deveria ser bem velha se tivesse a mesma aparência dos equipamentos utilizados para subir ao topo. Mas eles não seriam o principal meio para escalar.

O gancho era a primeira e a única opção viável. A garota então jogou-o ao ferro enferrujado e se pendurou nele, ainda próxima ao solo como garantia de que ele não iria se despedaçar no meio do caminho.

Soltou o peso do corpo e então subiu. Durante a subida de alguns metros, escutou um barulho suspeito que vinha de dentro da floresta. Pelas passadas, não pareciam seres humanos.

A corda do gancho foi cortada de repente por uma faca pequena atirada de cima. A queda de quatro metros e meio havia sido brusca e ela permaneceu com a vista embaçada, procurando entender o contexto da situação. Tentou se levantar rapidamente e levou a punição da tontura causada pelo incidente. Sentiu, então, uma agulhada no braço do mesmo modo de uma injeção.

Dois homens apareceram diante dela. Foi a única coisa que ela viu desde então.

...

Suas pálpebras se moveram suavemente. Logo após piscar algumas vezes, ela conseguiu compreender que estava em um quarto pequeno enquanto estava deitada em uma cama improvisada. Havia um criado mudo bem ao lado, com uma xícara de chá. Aiyra colocou as duas mãos sobre a cabeça e fechou os olhos numa falsa tentativa de fazer a dor de cabeça passar.

Uma figura masculina apareceu na porta. Não era um homem adulto; era apenas um jovem magro de cabelos longos e olhos finos e alongados.

— Quem é você? — A garota perguntou pausadamente.

O garoto ficou em silêncio, olhando para o próprio braço. Aiyra, então, pegou a xícara e tomou enquanto olhava para o garoto fixamente. — Você não vai nem dizer o seu nome?

— Você não tem que saber disso — Continuou olhando para baixo até suspirar profundamente e desviar o olhar para a garota. — Me mandaram aqui para te orientar e não para contar coisas da minha vida, então tome logo o chá que te deram.

Na cabeça da garota só se passava o quanto isso era uma idiotice. As revelações não precisavam ser tão profundas, no entanto, ela como grande admiradora da profundidade do conhecimento, sentiu-se absolutamente incomodada com a fala que recebeu em resposta à sua pergunta. Ela revirou os olhos, tomou um pouco do chá e continuou olhando o garoto.

— Você ainda não acabou?

— Só vou acabar quando me disser quem é você — Olhou diretamente para ele enquanto o garoto soltava os braços e se virava para fora, dando suas costas a ela e mostrando seus longos cabelos.

— Cacete! O seu cabelo é lindo — A garota disse.

— Você gostou?

— Eu estou com inveja — as palavras saíram de sua boca como se ela fosse uma criança de dois anos descobrindo um celular.

O garoto riu baixo.

Ela abriu um pouco a boca, hesitante em responder algo. — Você queria saber o meu nome, né? — Virou-se mais uma vez e olhou para ela. — Kenai.

Ela bebeu mais um pouco do chá, sorriu e um suspiro saiu da sua boca. — É um nome bonito. Combina com você.

— É uma merda.

— O quê?

— Você vai entender — Ele olhou para a xícara. — Já tomou tudo?

— Sim.

— Isso vai te fazer melhor, principalmente depois do tombo que você levou — Ele disse zombando. — Eu ouvi tudo.

— Isso é ridículo, não foi culpa minha e agora estou com uma dor na coluna absurda — Passou a mão nas costas.

— Vamos logo fazer o que temos que fazer. Pegue suas roupas novas aí na gaveta.

— Roupas “novas”?

— É complicado, é melhor só pegar.

A garota se remexeu um pouco na cama. Estava apenas com as roupas inferiores que cobriam as partes íntimas e o peito e então, levantou a coberta para cobrir o rosto vermelho.

A vermelhidão veio junto com o desespero. A imagem daqueles homens passou na sua cabeça mais uma vez e a única coisa que ela conseguia pensar era porquê eles haviam retirado sua roupa.

— Pode se vestir aí se não quiser sair assim.

— Valeu.

Abriu a gaveta logo depois de esticar os braços em direção ao puxador. A camisa não era longa, mas apesar de curta ao ponto de deixar parte do abdômen exposto, era bem larga e aparentava ser confortável. A bermuda, no entanto, era bem justa e não era nada longa, chegando na metade das coxas. 

O garoto se virou para o exterior.

— Pronto — Ela se levantou e se aproximou dele. — O que nós vamos fazer?

— Eu vou te mostrar como é aqui para você saber lidar bem com eles. É o mesmo que faço com todo mundo.

— Entendo.

— Pode me seguir, por favor.

Ela viu a luz do entardecer ao sair do quarto.

Aquele ambiente definitivamente não era o melhor de todos e com toda certeza era diferente da sua casa.

RESTARTWhere stories live. Discover now