Capítulo 1

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Neil ia se matar, já estava com uma arma destravada, apontando-a para seu peito. Em cinco segundos não existiria mais Neil Perry, o menino sonhador e sempre alegre, só restaria seu corpo sem vida caído no carpete de sua mãe. Mais um suspiro de coragem e estaria feito. Nunca mais precisaria ouvir do pai que seus sonhos eram impossíveis, nunca precisaria ir para a faculdade de Medicina. Provavelmente o barulho da chuva camuflaria o do disparo, Neil contava com isso.

            De repente, houve uma batida na porta do andar de baixo, foi tão forte e destemida que o assustou, fazendo-o largar a arma, que caiu no chão com um baque quase surdo. A falta do peso da arma em sua mão o tirou imediatamente do transe da morte.

- Me deixem entrar! - Gritou uma voz que Neil conhecia tão bem. Mas não, era impossível ser ele, certo? Afinal, era de madrugada.

Neil correu para a escada, tentando ouvir o que estava acontecendo. Da escada não era possível ver a porta, apenas ouvir.

            - Quem é você? E por que diabos está na minha casa ás duas horas da madrugada? - Perguntou o Sr. Perry abrindo a porta, e só pelo seu tom de voz, Neil notou a raiva absurda que seu pai estava por terem o acordado.

            - Você não vai tirar ele de nós, eu sei que o senhor planeja nunca mais deixar Neil pisar em Welton. Mas só por cima do meu cadáver.

            Ele se surpreendeu quando percebeu que seu sorriso ameaçava rasgar seu rosto. Um minuto atrás ele ia se matar, e agora estava sorrindo? Esse era exatamente o efeito que o garoto surtia em Neil.

            Ele correu escada a baixo, para verificar com seus próprios olhos. Ficou escondido, mas conseguiu ver o que queria, ou melhor, quem queria. Todd estava encharcado dos pés à cabeça, seu cabelo loiro caía sobre seus olhos, e encarava o Sr. Perry com um olhar afiado e determinado. Ele estava lindo, e o coração de Neil palpitou tão forte, que pensou que o veria saindo de seu peito. Mas se perguntou como Todd havia chegado até lá. A escola era um pouco longe de sua casa, precisaria de uma vontade imensurável para pedalar essa distância, e ainda estava chovendo.

            - Por favor, deixe ele entrar pai, está muito frio. Ele é meu colega de quarto - Falou Neil em um tom suplicante, saindo de seu esconderijo. Aquela última parte doeu para ele dizer, era verdade é claro, mas Todd era muito mais que isso, ou melhor, Neil gostaria que ele fosse mais do que isso - Tenho certeza de que só quer se despedir de mim.

            Seu pai virou em sua direção e o encarou por alguns instantes, com uma expressão de desgosto. Por fim se virou novamente para Todd e anuiu.

            - Tudo bem, está muito tarde. Mas amanhã vou fazer questão de falar com o diretor Nolan, não ache que se safará desta garoto. Saiu muito depois do toque de recolher e invadiu minha casa. Você levará uma detenção, e se depender de mim, uma expulsão - A declaração de seu pai era sem sombra de dúvidas séria e verdadeira, mas Todd não parecia se importar com as consequências.

            Todd assentiu e entrou.

            Sua mãe estava lá também, vestindo seu robe roxo, e com um sorriso discreto. Neil sabia que ela não concordava com nenhuma atitude do marido, mas não tinha coragem o suficiente para se posicionar contra.

            - Me dê seu casaco querido, irei colocar para secar – Pediu a Sra. Perry, em um tom bondoso – Te levarei até o quarto de hóspedes. É muito tarde, amanhã vocês se despedem adequadamente.

            - Pode deixar, mãe! Eu o levo, sei que a senhora está cansada, vá dormir – Intrometeu-se Neil.

            - Bem, se é assim – Falou sua mãe bocejando – Realmente preciso dormir. Boa noite meninos.

            Sua mãe e seu pai subiram para o quarto. O Sr. Perry ainda estava irritado e murmurava xingamentos, mas Neil não poderia se importar menos.

Os dois subiram para o quarto de Neil, porque obviamente ele não iria deixar Todd dormindo sozinho no quarto de hóspedes enquanto poderiam aproveitar esse pouco tempo, para ficarem juntos. Mas no caminho, Todd empacou na entrada do escritório do Sr. Perry. Neil sabia o motivo, ele tinha se esquecido da arma no chão.

            - Isso é o que eu acho que é? – Todd perguntou com a voz ficando fraca, e se virou para encarar Neil, o olhar de desespero e as lágrimas se acumulando nos cantos dos olhos do garoto, quase o matou. Neil iniciaria guerras e destruiria cidades se isso significasse nunca mais ver essa tristeza e angústia em Todd. O que piorava tudo, era que Neil sabia ser o motivo.

            Neil não disse uma palavra, apenas abaixou a cabeça, olhar para Todd era vergonhoso demais. Todd interpretou o silêncio como uma aprovação.

            - Por quê vo....

            - Aqui não! – Neil interrompeu desesperadamente – Não no corredor, vamos para o meu quarto.

            Todd concordou, ainda absorto. O mais rápido possível, Neil entrou no escritório e guardou a arma em seu devido lugar, do qual jamais deveria ter saído.

            - Estamos aqui. Agora me explica. Por que você ia fazer isso? – Perguntou Todd, dando pausas para recuperar o fôlego. Neil percebeu que o menino tentava ao máximo manter um tom calmo e compreensivo, temendo que se dissesse algo errado, perderia Neil para sempre. Mas não estava tendo sucesso, era evidente que estava irritado.

            - Eu não sei. No momento me pareceu a única saída, era isso ou passar a vida inteira sendo alguém que não sou, e nunca conseguiria ser – Ele começou a sentir seu rosto molhado, estava chorando – Eu não consigo, Todd. Eu não consigo. É... é sufocante demais, desesperador, eu...

Foi interrompido pelo abraço de Todd, era tão acolhedor, uma barreira o impedindo de cair completamente. Ele encaixou o rosto no ombro de Todd e chorou como nunca antes. Anos e anos encenando o menino perfeito que nunca tem uma recaída, que sempre está com um sorriso no rosto, nunca chorando porque na única vez que chorou, ouviu de seu pai: "Homem não chora. Você por acaso é a merda de uma bicha?". Era tão libertador colocar tudo para fora.

- Calma, calma, vai ficar tudo bem - Disse Todd, enquanto passava os dedos pelos cabelos de Neil com uma mão, e com a outra fazia movimentos circulares em suas costas, o acalmando pouco a pouco - Eu estou com você agora, e vou ficar por todo o tempo que você me permitir.

É que... e se?Onde histórias criam vida. Descubra agora