Na mesma noite, enquanto Tina chegava em casa com os gêmeos, o sujeito que tinha tentado agarrá-la e fugiu de medo da aparição, chegava na "Boca" todo trêmulo e sem cor:
– Uai, maluco?! Porque tá branco igual vela? Viu uma assombração, foi?!
– Acho que vi sim, Magrelo... Eram duas crianças que se transformaram em um negão gigante e saia raio dos olhos e tinham um machado em cada mão que brilhava também... corri feito doido... que medo que me deu!
– Cê tá zoando? Tá doidão? Encheu a cara de droga no seu horário de ronda? E cadê a metralha? Se o chefe souber que você se borrou de medo por causa de uma pegadinha de criança, você tá ferrado! É melhor voltar e buscar essa bagaça antes que você vire presunto, ok?!
– Mas eu não usei nada não! E não parecia pegadinha aquilo lá não! Eu vi de verdade e não era coisa desse mundo!
– Então vai lá contar pro chefe essa sua historinha! Vamos ver se ele acredita! Vai logo buscar sua arma e fica caladinho se quiser continuar vivo!
– Tá certo! Mas eu sei o que vi!
....
Depois da noite estranha, Tina mal tinha conseguido pregar o olho. No relógio da parede marcavam oito da manhã e as crianças ainda dormiam no sofá. Tina preparava na cozinha o café e esquentava o leite enquanto sua mente ficava tentando encontrar uma resposta racional para o ocorrido na noite anterior.
– Bom dia Tina! — Diziam as crianças com voz de sono
– Bom dia, meu amores! Dormiram bem? Bem cedinho, fui na vendinha comprar pão, aproveitei e comprei duas escovas de dentes! Vão ao banheiro, escovem os dentinhos e venham tomar o café da manhã, tá bom?!
Tina pensava num jeito leve de iniciar uma conversa sobre aquilo que aconteceu ontem com os dois. Ela não queria mostrar que estava um pouco assustada, mas por dentro, sentia medo do desconhecido e com certeza aquelas crianças não eram desse mundo.
– Então crianças, eu ainda não agradeci por vocês terem me defendido daquele sujeito ontem! Muito obrigado, se não fosse aquele truque que vocês fizeram, eu não sei se eu estaria ainda viva, mas também foi muito perigoso. Que tipo de truque foi aquele que fizeram? É algum holograma? Um novo aplicativo de jogo? Como fizeram aquilo?
– Hehehe! Não era truque e nem sabemos o que são essas coisas aí que você disse...
– Éramos nós mesmos!– Vocês estão me dizendo que aquele homem que segurava dois machados e brilhava era vocês dois? E era real?
– Sim! Isso mesmo! A Mãe nos disse que só devíamos usar nossos poderes se fosse extremamente necessário e aquele homem queria fazer mal a você e tivemos que nos tornar Um! Mas nossos poderes nunca pode ser usado para o mal. Ainda bem que ele correu! Hehehe!
– Vocês só queriam assustar ele? Então vocês não iam lutar com aquele homem? E aqueles machados? Eu tô muito confusa agora...
– Nós não lutamos! Somos crianças e só fazemos o bem! Os machados são do nosso pai e devemos devolver ao seu verdadeiro dono. Ontem, ao usarmos eles, ficamos muito fracos pois eles não nos pertence e são muito poderosos.
– Nossa força está na vida, na alegria, no nascimento, no amor e a violência é o contrário de tudo isso. Olha Tina, não pertencemos a esse mundo, mas esse mundo precisa da harmonia das forças de todos os elementais.
–Muitos de nós estão desaparecendo, outros partiram para a Grande Morada e poucos ainda estão por aí tentando ajudar... O Zé disse que tem um homem ruim prendendo alguns de nós e ele está usando seus poderes para fazer o mal. Achamos que nosso pai está com esse homem. O destino te colocou no nosso caminho e sua missão é nos ajudar. Por favor, nos ajude Tina!– Bom, mesmo que tudo isso seja verdade, me diz como eu poderia ajudar vocês dois? Eu sou só uma pessoa normal, sem nenhum poder e ainda por cima, pobre... e agora estou ainda mais preocupada com a nossa segurança... E se aquele homem conseguir se lembrar do meu rosto? Ele deve trabalhar pro Grandão miliciano, o dono da boca e todo mundo tem medo dele por aqui... ai, nem quero imaginar... vou ter o mesmo fim do meu pai...
– Fim?! O que aconteceu com seu pai?
– Eu não me lembro do meu pai porque quando ele desapareceu eu era muito pequena, mas todos que o conheceram contam que ele era um homem muito trabalhador e honesto, não gostava de injustiças e esse Grandão aí apareceu e começou a mandar e desmandar na comunidade, fazendo as crianças trabalharem pra ele no tráfico, executava pais de família e cometia todo o tipo de atrocidades e meu pai encarou ele e seus comparsas de frente. Até tentou buscar um reforço com a polícia, mas o Grandão comprou a maioria e nada foi feito. Então ele se viu sozinho, mas não se abateu, tentou juntar forças com outros homens da comunidade e quase conseguiram expulsar essa laia daqui, mas... deram um sumiço nele e os outros se acovardaram e entregaram tudo de mão beijada ao Grandão... depois disso, esse infeliz só ganhou mais força e se tornou imbatível. Ele faz e acontece por aqui e ninguém tem poder pra mudar isso.
– Que triste isso, Tina... Mas se encontrarmos nosso pai, ele pode acabar com esse monstro... precisamos achar o Zé novamente e ver o que ele conseguiu com as andanças dele por aí.
– E esse "Zé" é um de vocês? Um elemental, semideus ou algo do tipo?
– Bem, não é um semideus, nem elemental...
– Mas é algo do tipo, hehehe!– Não entendi, mas vou fingir que sim... e como encontraremos esse "Zé" de novo?
– Pode deixar com a gente que encontramos ele rapidinho!
– Mas só se encontra ele depois da meia noite...– Então vocês querem me dizer que nós três teremos que sair tardão da noite e encarar tudo quanto é mal encarado que fica nesses becos escuros??? Cês tão achando que sou doida, é?! Valha-me Deus!
– É o único jeito, Tina. E o tempo tá passando. Nossa mãe está morrendo e cada dia conta...
– Tá! Eu devo estar ficando maluca, mas acredito em vocês! Hoje a noite, a gente sai à procura desse "Zé"!
– Obrigado, Tina!
– Obrigada!!! Êêê!
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ANCESTRAIS
FantezieTina é uma jovem negra de 17 anos que, pela força do destino, encontra um casal de gêmeos, com idade aparentemente de seis anos. Perdidos na cidade grande, eles causam confusão por onde passam com suas traquinagens inocentes e são hostilizados por...