Capítulo I

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Ver o mundo num grão de areia

e o céu numa flor silvestre.

Detém o infinito na palma da tua mão

E a eternidade numa hora.

 (William Blake)



No meio da madrugada, de repente eu acordei. Os sons repentinos das motocicletas na rua quase me fizeram saltar da cama. Abri os olhos enevoados e suspirei, irritada. Não estava disposta a sair de debaixo do lençol para olhar pela janela. Aquela era a minha primeira noite em casa depois de meses e, por incrível que pareça, estava estranhando a minha própria cama! Por isso, demorei tanto a dormir... E agora, quando finalmente tinha conseguido mergulhar em um sono profundo, aqueles loucos — eram muitos, com certeza — faziam suas manobras radicais, no meio da noite, bem em frente ao nosso prédio.

Eu podia ouvir as vozes alteradas, as risadas, o barulho característico de garrafas de bebida passando de mão em mão quando eles finalmente pararam. Ouvi também o som de um portão pesado sendo aberto. Um portão... próximo. Pensei em me levantar, mas a preguiça falou mais alto. Eu queria mesmo dormir. Porém, eu conhecia aquele som. Durante anos a fio o ouvi. Era o portão da mansão do outro lado da rua sendo aberto. Então, aqueles motoqueiros escandalosos estavam entrando naquela casa. Na casa que ocupava havia anos todo o quarteirão em frente. A casa dos ricos, dos nossos vizinhos misteriosos, com os quais nunca havíamos trocado uma única palavra. Nem nós, nem qualquer um da vizinhança, aliás.

Eles entraram sim, não havia outro portão que fizesse aquele som, nem outro lugar onde tantas motos pudessem ser estacionadas ao mesmo tempo. Aos poucos, as vozes e as risadas foram se distanciando, mas eu pude perceber que havia garotas e rapazes naquele grupo, todos em meio à algazarra, parecendo muito ocupados com a própria baderna, nem um pouco preocupados com quem precisava dormir, como eu.

Estava decidida a checar aquela história no dia seguinte. Pelo que podia me lembrar, um ano antes aquele tipo de coisa não acontecia na casa misteriosa, até porque os donos viajavam muito e quem estava sempre por lá eram os empregados, vários deles. Da janela do meu quarto eu podia ver parte do imenso jardim e do belíssimo gramado. Tudo sempre muito bem cuidado.

Bem, pelo menos aquele era um acontecimento novo na vizinhança. Por um momento, fiquei contente por poder me ocupar do assunto, já que todo o resto continuava como sempre fora. Em seguida, o sono me venceu.


— Hora de acordar, meu bem. O dia está lindo!

Minha mãe sempre fazia aquilo: entrava de manhã no meu quarto, abria as cortinas de uma só vez, deixando a luz do sol entrar diretamente em cima da minha cama. Desde a infância era assim. E eu, como sempre gostei de dormir até mais tarde, abria os olhos emburrada, puxando o travesseiro sobre o rosto, na tentativa de dormir de novo, mas era inútil.

Naquela manhã também foi inútil, mas no momento em que comecei a puxar o lençol me lembrei que era o meu primeiro dia em casa nas férias e que por isso eu deveria colaborar. Então, abri os olhos devagar e olhei para ela, que estava esfuziante.

— O café já está na mesa. Tem tudo que você gosta: pão integral, suco de fruta, mamão papaia, queijo branco... Seu pai e sua irmã já estão comendo. Vamos, levante logo!

Ela sorriu e saiu em seguida. Eu suspirei. Era bom estar de novo em casa.

Cerca de vinte minutos depois entrei na cozinha, já pronta para um dia de sol. Vestia minha bermuda jeans velha e uma camiseta azul. Nos pés, sandálias rasteiras e os cabelos presos em um rabo de cavalo básico. Eles me olharam vivamente e pude perceber que estavam bem felizes com a minha presença.

Prometidos - Um para o outro (livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora