Capítulo VIII

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(Música: Temple of love, Enigma.)


Quando cheguei em casa, ainda estava com a cabeça longe de tudo. Tão efetivamente distraída, que sequer notei — deveria ter percebido de imediato — as caras feias dos meus pais, que estavam sentados na sala, cada um em uma poltrona. Meu pai tinha o jornal no colo, mas não o folheava. Minha mãe estava com as mãos cruzadas no peito, gesto que ela fazia sem sentir sempre que estava preocupada com alguma coisa.

Bem, na verdade, somente quando vi minha mãe sentada daquele jeito foi que percebi que algo estava errado. E, com bastante atraso, entendi que eu era a causa do problema. Eles teriam me visto chegar com Thomas? Alguém já teria feito algum comentário maldoso?

Pensando em como me explicar e defender a minha causa — afinal, ele era nosso vizinho, filho do casal misterioso, que havia três anos todos queriam conhecer, sem sucesso — eu sorri e caminhei na direção deles. Imediatamente os dois se levantaram, literalmente soltando faíscas.

— Onde você estava, Beatriz? Estávamos já pensando em ir à delegacia! — meu pai quase gritou. Ele parecia realmente furioso, o que era algo raro de se ver.

— Será que você já se sente assim tão independente que nem precisa mais nos dar satisfação? — Minha mãe, esta sim, estava gritando.

— E com o celular desligado o dia todo! Isso é uma falta de respeito imperdoável! — O tom de voz de meu pai subiu alguns decibéis.

— Sinceramente, você é uma irresponsável! — completou minha mãe, ainda mais alto do que ele.

Eu estava sem ação, pega de surpresa por aquelas broncas fenomenais, que havia muito tempo eu não provocava — creio que desde os 14 anos, talvez. Mas ao mesmo tempo eu sabia que eram mais do que merecidas. Eu estava tão fora de mim que esquecera complemente de — algo básico — ligar o celular... Que vergonha! Realmente, aquele não era o comportamento de uma mulher adulta, de 19 anos, universitária, que já morava sozinha em outro estado. Meus pais tinham toda razão em ficar daquele jeito.

— Pai, mãe, eu... — tentei começar, mas eles não deixaram.

— Nada que você diga, Beatriz, tem desculpa — meu pai falou entredentes.

E ele estava me chamando de "Beatriz". Era grave.

— Não, nós temos que saber — disse minha mãe segurando no braço dele com força. — O que aconteceu? — Ela olhou para mim com raiva, mas seus olhos estavam estranhos, como se ela estivesse contendo as lágrimas.

Minha mãe... chorando? Era real? Por um momento pensei em dizer a verdade, mas rapidamente deduzi que seria muito pior. Eu sempre fui ensinada a não mentir, mas naquele momento não tive escolha. Ah, que coisa ruim... Que coisa feia...

— Mãe, pai, me desculpem, por favor. O dia estava tão bonito quando acordei que fui caminhar aqui perto, na Praia da Bica. Mas depois me deu vontade de ir até Ipanema, sabe? É uma praia tão linda, fazia tanto tempo que eu não ia até lá... Eu nem percebi que o celular estava desligado. — Na verdade, eu estava apenas omitindo Thomas, o que me fez sentir um pouco melhor. Ou menos pior.

Eles olhavam para mim, ouvindo a minha explicação, talvez se dando conta que eu não era mais uma menina, não sei. O que sei é que a minha calma funcionou. Ou a explicação em si, que era tão simples que não poderia ser outra. Como não era. Meu pai pareceu mais relaxado, minha mãe sentou-se de novo. Ambos estavam calados, mas a tensão inicial estava passando.

— Tudo bem, Bia. Tudo bem. Mas, seja como for, ficamos muito preocupados. Não faça mais isso. — Meu pai ainda estava mantendo o tom de seriedade e de bronca, mas ao ouvi-lo me chamar de "Bia" eu entendi que estava perdoada.

Prometidos - Um para o outro (livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora