Capítulo único

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"I will have you without armor, Kaz Brekker. Or I will not have you at all."

— Inej Ghafa, Six of Crows.

Kaz Brekker não precisava de um motivo. Não de mais um. Afinal, 17 meses foram suficientes para que sua mente se enchesse de motivos que o levariam a esperar por horas no porto por um pequeno navio, com peixes em sua bandeira e uma assinatura característica em sua lateral. Depois de segundos que pareciam intermináveis, avistou O Espectro no horizonte do oceano que cercava Ketterdam, e sentiu uma pontada traiçoeira no peito. Parte de Kaz resolveu ignorar a aceleração de seus batimentos cardíacos, enquanto a outra parte estava completamente ciente de que não saberia quanto tempo aguentaria antes de colapsar aos pés de Inej.

Aquela era a primeira vez que sua aranha voltava para a ilha desde que havia partido com a sua tripulação em sua missão para libertar o povo Suli da escravidão por entre os mares afora. 17 meses, mais especificamente 523 dias, e não havia um dia no qual Kaz não pensava em Inej. Fosse por conta do trabalho de Roeder cheio de buracos como sua aranha substituta, ou pela solidão em não ter uma sombra que o acompanhava pelos caminhos escuros do barril, ou apenas porque sentia sua falta. Esta última era a mais difícil de se admitir.

Kaz começou a esfregar as mãos nuas pelo tecido de seu colete quando viu que o navio se aproximava do porto. Suas luvas estavam no bolso da calça, mas Kaz não queria usá-las. Mantinha-as por perto como precaução, mas Kaz sempre se sentiu confortável em tirar o par de luvas de couro perto da garota Suli.

Ele sentiu que o ar foi retirado dos seus pulmões quando avistou, na proa do navio, cabelos longos e esvoaçantes, levemente presos por um lenço comprido, e um sorriso capaz de iluminar os lugares mais obscuros de Kerch. Inej acenava para o porto, sendo iluminada por uma luz dourada do pôr do sol. Ninguém acreditaria se alguém dissesse que, naquele momento, Mãos Sujas não parava de sorrir.

Inej tampouco era capaz de conter sua alegria ao ver os primeiros pedaços da ilha que havia causado tanto turbilhão em sua vida nos anos anteriores. Suas lembranças sobre os terrores do Menagerie e suas experiências de quase morte com os corvos ainda a assombravam, mas mais forte que elas, estava a curiosa sensação de um segundo lar; o calor do aconchego de Nina, os trocadilhos de Jesper os hilários lapsos de Wylan quase como um membro dos Dregs, a rigidez de Matthias. E, claro, Kaz. Tudo que remetia a Kaz.

O garoto, por sua vez, tentava se recompor, pigarreando e apoiando ambas as mãos em sua bengala. Inej descia do navio, olhando em sua direção; Kaz sabia que, mesmo que houvesse uma multidão ao redor, não teria dificuldade alguma em achar sua garota naquele mar de gente.

— Kaz — Inej disse, ainda sorrindo de orelha a orelha, se aproximando. Kaz não deixou de sorrir de lado, mas rapidamente substituiu a expressão por uma carranca natural. Os dois ficaram olhando um para o outro, desconcertados e sem saber o que dizer um para o outro. Kaz amaldiçoou a si mesmo por ter tirado as próprias luvas. Talvez, com elas, seria mais fácil pular cumprimentos e apenas segurar as pequenas e marcadas mãos de Inej. E céus, como ele queria segurá-las.

— Como foram os negócios em Ravka? — Foi o que ele perguntou. O sorriso de Inej diminuiu de uma forma quase imperceptível, mas não para ele. Mesmo assim, fingiu não perceber, encenando a neutralidade que contrastava com o turbilhão de sensações e lembranças que se passavam por sua cabeça simultaneamente.

— Foram bem. — Inej se virou e começou a caminhar, com a postura impecável mesmo após meses pelos mares, Kaz seguindo logo atrás. Ela já esperava tal teor de resposta, mas uma parte obscura de seu coração ainda fantasiava sobre uma recepção de braços abertos. Mas mesmo em seus sonhos mais distantes sabia que isso era uma irrealidade. — Meus pais ficaram lá, no acampamento para os escravos que ajudamos a libertar. Achei que o construir seria um desafio e tanto, mas recebemos certa... ajuda do governo de Ravka para terminar as tendas.

No Armor - KanejOnde histórias criam vida. Descubra agora