Capítulo 4

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A chaleira apita, ou o que quer que se chame esse bule que indica que a água ferveu. Então eu preciso me levantar, com a força de um filho da puta, para ir à cozinha , pegar um saquinho de chá, colocar na xícara e então despejar a água quente.

Mexo pelo barbante com a erva enquanto noto a água ganhar uma cor suave de verde. Agarro a alça da xícara e volto para a sala, onde estou dando uma olhada no projeto que Herbet, o arquiteto, me enviou.

Não é o meu desejo residir aqui, na Itália, mas também não tenho o menor entusiasmo para voltar a Nova Iorque e correr o risco de encarar minha família. Ou talvez dar de cara com Alan e Aurora, que se casaram. Mesmo que isso ainda me pareça o caralho de estranho. Até mesmo me deparar com Seraphine, que eu não cheguei a ver depois daquela noite infernal e ignorei todas as suas chamadas e mensagens.

Um gole do chá e o sinto descer queimando minha garganta. Mas quem diria, no auge dos meus 23 anos eu estou fugindo para outro país e tomando chá enquanto acontece alguma baderna por aí nesse sábado à noite. No meio disse tudo, o que me ronda e me encontra é a culpa.

Não consigo me livrar desse sentimento, apesar de ter tentado. Não consigo ao menos olhar para o meu irmão e pedir seu perdão. Eu não falei com ele desde o acidente. Não consigo porque foi por um tris que não o encaminhei para a morte. Eu fiz isso. Eu o coloquei para o quase. Mas se o quase fosse um definitivamente? Eu joguei a sorte no ar como um tremendo babaca? Ele poderia não estar mais aqui.

— Meu Deus — me levanto, incapaz de ser consumido pelos pensamentos mais um pouco.

Deixo a sala e o chá para trás e saio da casa. A lua me recebe e reflete pelo verde ao redor da casa, nas terras de Felliciona, consequentemente deixando-o como sombras altas abraçadoras, o que poderia me dar mais motivos para melancolia. Mas desisto de notar isso.

Sigo para a minha caminhonete, com destino à cidade, para talvez beber algo. Se não, circular por aí, quem sabe. Ou até somente ir ver pessoas diferentes. Qualquer coisa que tire o meu foco de mim mesmo.

Mas não consigo chegar ao veículo. Tampouco, em um segundo, me lembro dele. Não lembro no instante em que meus olhos reparam o carro que entra na minha nova propriedade. Uma caminhonete cinza de vidros escuros que, talvez se fosse de outro alguém eu não me lembraria, mas é dela e eu sei disso porque todos os seus movimentos não passam despercebidos pelos meus olhos.

Mas então o desânimo me acerta como uma flecha. Porque não pode ser Crystal. Ela não é da noite. Provavelmente é o seu pai, que quer tirar alguma satisfação por Derick ter me vendido as terras de Felliciona.

Cruzo os braços e aguardo enquanto, com os faróis acessos, a caminhonete se aproxima. O caminho é quase longo demais para o meu gosto, então a aflição me toma. Não tenho a menor condição para uma briga hoje. Muito menos um bate boca.

O carro desliga quando perto e a porta se abre. Com olhos estreitos, me preparo para saudar o motorista, mas todo o meu corpo entra em alerta máximo quando Crystal deixa o veículo.

Sempre é assim e não consigo evitar. Meu corpo automaticamente quer se enrijecer, porque a desejo mais que qualquer mulher que já tenha visto. É um desejo desconcertante, porque ao mesmo tempo que a quero, não tenho a intenção de tê-la porque, para mim, Crystal é preciosa. Ela não é uma mulher que se dorme uma noite para se satisfazer. Não, ela é doce e sorridente, totalmente apaixonante com seu riso fácil e timidez insistente.

É estranho, isso nunca aconteceu antes. Nunca tive esse modo de percepção com outra mulher. É muito fácil olhar para Crystal e imaginá-la nua, embora eu não chegue nem perto de como ela deve ser sem roupas, mas não consigo pensar em tê-la. Consigo imaginar seus gemidos, suas expressões, seus olhos pegando fogo, mas não me imagino com ela. Não imagino que somos nós juntos na cama e eu proporcionando prazer a ela.

— Oi — seu cumprimento falhado e quase muito fino me tira dos pensamentos, ainda que ela os capture com a sua presença. — Oi — ela repete, e dessa vez ri.

— O que está fazendo aqui? — pergunto, me afastando um passo.

Não é seguro estar perto dela. Eu posso me inclinar à vontade do meu irracional e seduzi-la até que me implore para beijá-la. É sábado, caralho. É noite. O que ela pensa estar fazendo?

— Bem, eu… — ela continua, dando mais um passo a frente.

Não faça isso, tenho vontade de pedir. Pare de se aproximar, o meu corpo está querendo responder ao seu. Seja mais inteligente que eu, por favor, não se aproxime.

— Não é nada — ela olha para o chão, então para mim. Um silêncio desconfortante perpetua. — Eu quero saber por que você fez meu irmão te vender o presente de casamento dele — seu tom sai mais enérgico, o que é uma mudança interesse no volume e clareza de sua voz.

— Eu não fiz o seu irmão me vender — esclareço. — Apresentei uma proposta e ele achou lucrativa.

— Lucrativa? — ela dá mais um passo a frente e eu não entendo o que está fazendo. Fique aí. — Eu suponho que esteja falando dos vinhos… Por que você quer tantos vinhedos?

— Você bebeu, Crystal? — pergunto, a percepção do que talvez explique seu comportamento vindo à mente.

É uma probabilidade. Ela nunca me dirigiu a palavra antes, o que foi bom em termos. Não sei como poderia reagir se ela fosse toda sorrisos e conversa fácil comigo. Com certeza eu ia querer tirar sua roupa a todo tempo e explorar cada pedaço do seu corpo com fome e avidez, até que ela me chamasse uma vez após outra e me implorasse para com…

— Eu não estou bêbada — ela nega —, mas parece? — dá uma risadinha, se apoiando em seu carro. — Só estou curiosa.

— Curiosa? — aperto os dedos nas palmas, a vontade no corpo indicando que alguém já se levantou.

— Sobre as terras. Meu irmão disse que você quer um vinhedo só para você. É verdade?

— Quase isso.

— E por quê?

— Não tem um porquê, eu apenas quero.

— É uma resposta muito vaga — rebate, apontando. — Sua casa está toda escura. Devia comprar umas lâmpadas. Derick não morava aqui, então ele não as colocou.

— Obrigado pela dica — ironizo e  maneio a cabeça em direção a sua caminhonete. — Não é muito tarde para você ficar andando por aí?

— Minha casa é a quinze minutos e aqui não é perigoso.

— Bom saber.

Ela sorri, esse sorriso que me leva ao desespero, então desvia o olhar. Suas mãos se juntam em frente ao corpo, mas logo se separam para fechar a jaqueta.

— Você não vai me convidar para um café?

— Desculpe? — quase rio. Ela só pode estar bêbada.

— Um café — volta a me olhar. — Está  frio aqui fora.

— Não acho que seja uma boa ideia. Você devia voltar para a sua casa. Te levo de volta, para comprovar que vai chegar bem. Acho que talvez você não se lembre que bebeu.

Crystal suspira. É um suspiro de decepção e desânimo. Então ela se vira e, em silêncio, volta para a caminhonete, ligando-a. Os faróis reluzem e eu observo, sem ação, quando ela manobra o veículo e vai embora.






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Pedro deprimido e deprime a coitada

Que dó, que dó

Bom diazinho, amoresz! <3<3<3

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