Capítulo 6

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Foi uma péssima ideia. Sei disso agora, enquanto Crystal Janeth parece totalmente paralisada. Como sei seu nome inteiro? Tenho boa memória. O último ano não nega. Me lembro, quando, ainda garoto, vinha para a Itália com meu pai, precisamente olhar os vinhedos, e Derick implicava com a irmã a chamando pelo segundo nome, que ela detesta.

  — E então — começo —, precisa de ajuda para sair do carro?

Ela não me olha, ainda que sua cabeça se mova minuciosamente, indicando que ela quer fazê-lo. Estamos em minha caminhonete. Eu a trouxe para a minha casa depois do café da manhã, com a desculpa de apresentar meus planos que a deixam tão curiosa. Não tenho plano nenhum, a princípio, só queria retribuir o desconforto que ela me causou na mesa.

Como não consigo uma resposta, emendo:

  — Seu pai acha que você quer, de algum jeito, ser minha sócia. Ele contou que você tem uma boa poupança além do dinheiro que investiu em diversificações.

Seu olhar voa para mim quase muito rápido. Quase me pegando desprevenido. Por pouco não me fazendo beijá-la.

  — Meu pai fala demais — franze o cenho —, mas não, eu não tenho a intenção de ser sua sócia.

  — Eu sei. Não procuro sócios.

Ela ri.

  — Quais são seus planos? — quer saber.

  — Nenhum — saio da caminhonete, esperando que ela faça o mesmo.

Isso é quase um tempo considerável e acho que Crystal precisou dele para avaliar a minha resposta.

  — Você não tem planos? — ela enfim deixa o carro, me olhando por cima. — Por quê?

  — Não estou pensando muito ultimamente.

Nem um pouco. Minha cabeça não tem tido muito sucesso em afastar o passado. É difícil sempre que tudo é silêncio e nunca deixa de ser escuro. Tenho vontade de apenas esperar tudo passar, mas sei que é uma luta diária. É difícil conviver com isso, mas não tenho escolha alguma. É preciso conviver com a minha consequência.

Caminho para entrar em casa, ouvindo os passos de Crystal atrás de mim. Ela para quando abro a porta e ganho o espaço da sala. Me viro para olhá-la.

  — Hoje eu vou poder entrar? — pergunta e noto o mover da sua garganta, uma leve indicação que seu corpo reflete do óbvio nervosismo.

  — Pode — confirmo. Agora, sim. É manhã, no fim de tudo. Embora não haja momento para que meu corpo entre em alerta quando estou próximo a ela – e essa inquietação é sempre que muito –, o amanhecer me dá alguma segurança.

Há um ano, ter uma mulher perto de mim ao anoitecer só significava uma coisa: muito prazer ardente. E agora, no que me resumo? Em um homem coberto de culpa e solidão. Então, quando Crystal apareceu na minha casa ontem, sim, eu só pensei em tudo que não estava mais vivendo; e também no motivo que me levou a me sentir em falha comigo mesmo.

Afinal, aquilo era tudo? Ter a minha vida satisfeita em todos os aspectos enquanto eu me cegava para a realidade ao redor, era tudo? Ter minhas vontades e exigências satisfeitas, era tudo? Porque, é, isso foi exatamente no que se deu aquela noite na festa da minha tia Lili. Eu quis que meu avô estivesse presente, e dane-se a opinião dos outros. Eu mandei o meu irmão atrás dele porque minha vontade tinha que ser feita. Isso não é ser um desgraçado e cego, cheio de um ego de merda? Me sinto tão culpado por só ter podido notar isso ao me afastar, que não consigo ao menos encarar os fatos. Não consigo. Rever isso me faz perceber que tudo poderia ser evitado quando a verdade estava bem diante dos meus olhos.

Às Escuras do Amor (NA AMAZON) #5Onde histórias criam vida. Descubra agora