Era terrível e ao mesmo tempo admirável que meu coração continuasse com batidas normais e que meu corpo não estremeça ou corresse para o lado oposto dado ao resultado de meus últimos encontros particulares com meu pai.
Minhas botas eram silenciosas contra o piso de mármore, as paredes vermelhas adornadas com ouro, e o vermelho vivo estampado em cortinas, e em cada detalhe com tons diferentes. Eu estava com uma calça de couro para treino, minhas botas e um regata, que deixava minha cicatriz à mostra.
A marca ia das pontas do meu dedo até acima do meu cotovelo e de fato parecia a forma chamas.
Cicatriz esta que nunca me foi permitido retirar, e agora depois de anos seria impossível. Tinha o propósito de me lembrar diariamente de quem segurava minha coleira. Uma lealdade fraca, que seria quebrada na primeira oportunidade que eu tivesse de sair daqui e levar minha mãe comigo, Eris poderia se cuidar, e quanto aos outros dois, que morressem.
Luan e Ketf nasceram a cópia do meu pai, a aparência, a personalidade, até a voz é parecida, eu os odeio.
Não se importam com nossa mãe, seguem Beron como cachorros, e tentaram matar Lucien, junto com os outros idiotas que a besta do grão senhor da primavera matou.
Lucien.
Faz mais de setenta anos que não vejo meu irmão, sequer me lembro de sua voz, meu gêmeo, a outra parte de mim a quem eu amo tanto.
Agora está na Corte Noturna, espero que ele seja melhor tratado lá, que era na corte da besta.
Ele merece tanto, já sofreu demais, Eris me disse que ele agora tem uma parceira, espero que esteja feliz. Depois de Jesminda, sei que ele nunca se permitiu amar outra mulher, deveria ter ido com ele, deveria ter fugido naquele dia que mataram minha amiga.
Se eu estivesse lá, meus irmão teriam morrido antes de conseguirem.
Lembro que quando cheguei com Eris e descobri, destruí toda a ala norte do castelo, tudo, minha raiva iria direto ao meu pai, Luan e Keft, mas como sempre eles usaram minha mãe como escudo, e eu parei.
Planejei fugir aquela noite, mas então visitei o quarto da minha mãe e ela estava machucada, e chorava por Lucien. Não podia deixá-la, então eu fiquei, paguei muito por meus atos, por minha língua, por minha personalidade, mas fiquei com ela.
Passei na cozinha do castelo, aprendi desde pequena que sou péssima em espionar, mas os criados não. Eles ouvem tudo e estão por todos os lugares em todas as cortes, portanto tudo chega em meus ouvidos, ao menos tudo que eles sabem.
-O que acha que está fazendo na minha cozinha suada e fedendo? - Mahina perguntou marchando em minha direção com a cara fechada fazendo os outros feéricos rirem.
-Minha deusa, estou morrendo de fome, e terei uma reunião com meu pai, há grande chances de eu sair de lá em um caixão. Meu último desejo é sua torta de morango, e de limão também se tiver - digo com meu melhor sorriso e o olhar dela se suavizou.
Todos ficam tensos, e a cozinheira chefe me olha com compaixão, a maioria nesta corte já experimentou da crueldade do meu pai, além de mim, eles não ousam dirigir a palavra a nenhum outro grã-féerico da corte, muito menos a minha família. Lembro como foi difícil estabelecer confiança com eles, mas não me arrependo, são os únicos amigos que tenho, e com quem posso ser sincera sem terminar na sarjeta.
-Sente-se, e não toque em nada, vou pegar suas tortas - me sento após cumprimentar todos os outros.
Devoro as duas tortas inteiras, negando a qualquer um que pedisse, embora eles só pedissem para me ver negar com uma careta e depois rir. Com exceção de uma criança fofa demais para eu negar um pedaço, o que causou muitas risadas pela minha cara feia.
Não se divide comida.
Voltei ao meu caminho até a sala de reunião, uma enorme mesa de pedra, cadeiras ao redor, mapas, muita gente velha e chata, e poucas pessoas que realmente entendem de tática de guerra. Não era novidade que a guerra estava próxima, haveria uma reunião em breve eu tinha certeza.
Ao entrar na sala diante do olhar de meu pai, uma bandeira vermelha alerta minha mente me colocando em total defesa.
-Diga - falo assim que fecho a porta.
-Pelo seu bem, nós vamos reiniciar e você irá falar comigo com educação e respeito, e faça isso antes que eu me irrite - a voz dele é uma mistura extremamente homogênea de algo que me dá raiva e vontade de vomitar na mesma medida.
-Mandou me chamar Grão Senhor, em que posso servi-lo?
Acho que meu tom de voz não o agradou, algo que me deixa triste porque eu fui super educada.
- Você irá participar da legião 1, começarão os treinamentos amanhã, precisam está prontos para a guerra.
Para a guerra, qual seja o lado que ele decida lutar.
Essa legião é liderada por Kalil, um macho arrogante, nojento, e fraco.
-Kalil é um idiota, e é um guerreiro muito inferior a mim, eu já liderei e treinei tropas, não vou me ajoelhar aos comandos dele.
-Se ajoelhar é exatamente o que você vai fazer - o sorriso nasce em seus lábios - Irá se casar com Kalil no início do próximo mês, e vai ser uma esposa honrada, como sua mãe - as últimas palavras saem como veneno ou adagas que atingem em cheio o alvo.
O bile que sobe a minha garganta é quase insuportável, me casar? Com Kalil?
Faíscas começam a cobrir meu corpo, à medida que a raiva vai se apoderando de mim, o fogo avança contra mim antes, mas eu sou rápida em desviar, logo raios saem de mim, energizando cada célula do meu corpo e o jogando para um parede com um força que racha.
Então alguém me segura e começa a gritar por causa da eletricidade, reconheço ser Eris e paro.
Este era o plano, Eris estaria o tempo todo esperando, depois que o velho jogasse a bomba, ele entraria para me conter, por que eu não o machucaria.
-Não pode matá-lo - meu irmão diz.
Recuei um passo para longe dos dois, minha respiração voltando ao normal, meus olhos brilhavam de raiva, mas estava contida dentro de mim.
Encarei meu irmão e vi a tristeza em seu olhar, notei a cicatriz em seu braço e percebi que ele tinha sido contra e lutará por mim.
-Em hipótese alguma irei aceitar isto.
Esta parece ser a resposta que Beron esperava.
Ao decifrar o olhar, e o sorriso sádico de meu pai, corro porta afora, com toda a minha velocidade em direção ao quarto de minha mãe.
E aquilo me quebrou mais ainda.
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Corte de raios e sombras
Fantasy{ EM BREVE} A irmã gêmea de Lucien, ano após ano presa a corte outonal, com um poder diferente de tudo já visto. Acontecimentos a colagem num caminho de fuga, primeiro para encontrar seu irmão, e segundo porque a guerra está próxima e ela sabe que...