O casamento

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Minha tia bate pela décima segunda vez em minha porta.

- Anya Eleonora! - avisa.
- Eu nunca concordei com isso - digo através da porta - ela poderia simplesmente ter dito a todos que eu peguei uma gripe, no lugar de me colocar como dama nessa porcaria de casamento.
- Anya - diz calma - você já perdeu o horário com o cabeleireiro. Agora você só tem tempo de colocar esse vestido e entrar naquele carro. Sabe que sua mãe ficará muito decepcionada com você se não estiver lá, e você não é mais criança então não se comporte como tal.
- Logo você - minha voz falha - você mais que ninguém deveria estar do meu lado.
- Não há nenhum lado a ser escolhido, querida. Sua mãe merece ser feliz. Agora.. vista-se.. é o que o seu pai iria querer.

Ouço os passos do salto alto de minha tia Elizabeth se afastarem de meu quarto, então eu me viro e encosto as costas na porta. Me sento no chão e levo minhas mãos até meu colar, o colar que ele me deu.
Pego em minhas mãos aquele pingente dourado em formato de coração e o abro. A foto se revela para mim. 
Uma garotinha me encara através da foto. Uma menina de dez anos com os cabelos encaracolados e ruivos, sardas em quase todo o rosto e um sorriso meigo completamente feliz ao lado do pai. Queria contar para aquela menina que ela só teria mais seis anos ao seu lado, queria dizer a ela que aproveitasse aquele tempo porque cinco anos depois daquela foto seu pai vai adoecer e um ano depois disso ele não estará mais lá, e ela nunca mais o verá.
Eu era aquela garotinha, mas não sou mais a mesma. O espírito esperançoso, ousado, e valente que tinha.. se foi. Meu pai conseguia fazer com que eu tivesse essa esperança, essa alegria, o entusiasmo.. era ele. 
Meu pai foi quem me ensinou a cantar, ele sempre incentivou a música em minha vida, mesmo que minha mãe sempre estivesse ali dizendo não e reclamando que isso não me levaria a lugar algum. Mesmo assim, meu pai não dava ouvidos a ela, ele sabia que eu amava cantar e deixava que eu o fizesse o dia inteiro se eu quisesse. Mas depois que ele morreu minha mãe, que já não gostava de música, passou a detestar e assim minha vida com a música foi se extinguindo, e com ela toda a minha essência.

"Você precisa estar lá por ela, você consegue, filha."

Ouço a voz de meu pai falando comigo e sei que tenho que fazer isso.

- Eu sei pai - digo olhando para aquela fotografia dentro de meu colar - eu sei que você iria querer vê-la feliz, e só por isso eu vou até lá.

Limpo uma lágrima que escorre por minhas bochechas e me levanto.
Indo em direção ao meu closet, eu passo por minha escrivaninha azul no canto ao lado da porta e fito aqueles pequenos frascos alaranjados, e mais um dia eu passo diretamente por eles sem tomar sequer um só comprimido.
Caminho até meu closet e olho para aquele vestido sem alças rosa com uma saia rodada e bufante, um vestido que eu nunca usaria em toda a minha vida, mas pego o vestido o visualizando como se fosse qualquer um. Respiro fundo a cada instante para tentar me esquecer que é um vestido de dama de honra, para tentar me esquecer que é um vestido para o casamento de minha mãe. 
Cada botão, cada fecho, e cada zíper funciona como um golpe em meu estômago, mas eu termino de me vestir.
Ela sabe como é difícil para mim, então porque está fazendo isso comigo? Por que me obrigar a ir nesse casamento? Eu não entendo. Não consigo entender.

Mais uma batida na porta. Ela é uma mulher muito insistente, minha tia. Nunca desiste. 

- Pode entrar - eu digo.
- Nossa - minha tia vem até mim - você está linda! 
- Obrigada - respondo sem emoção.
- Sente-se. Vou fazer uma maquiagem rápida em você.

Não tenho mais muitas forças em mim para discutir então a obedeço e me sento na cadeira que fica à frente de minha penteadeira.
Minha tia, Elizabeth, começa não só a arrumar o meu rosto, mas também o meu extenso cabelo. Eu não corto há quase três anos, desde o dia em que meu pai descobriu que estava doente. Ele sempre dizia que gostava dos meus cabelos longos e eu queria honrar sua memória mantendo ele assim, mesmo que não fizesse muito sentido. Agora sua extensão ruiva desce até a minha lombar.
Minha tia faz cachos em todo ele e prende a metade de cima com alguns grampos brilhosos e cintilantes.

Na batida do amor Onde histórias criam vida. Descubra agora