— ... As manifestações continuam em um ritmo constante e violento. Diversas avenidas ao longo da cidade nesta manhã foram fechadas pelas pessoas, e há relatos e imagens de combate entre os manifestantes e a polícia. — A voz da mulher ecoava por todo o bar, saindo da televisão holográfica que se localizava logo acima do balcão. Na tela eu podia ver a imagem de várias pessoas levantando placas onde pediam a liberdade de Hong Kong, e o fim do autoritarismo do governo chinês sob a cidade. Também era possível ver os policiais atirando e usando bombas contra as pessoas em meio a rua.
Eu sou naturalmente japonês, nascido e criado boa parte da minha vida em Tóquio, então nunca fui muito familiar com o estado atual do povo de Hong Kong com o governo central de Pequim. Esse papo de ''liberdade para Hong Kong'' já era pauta do século XXI, e eu acreditava que boa parte das pessoas já havia esquecido disso; pelo visto eu estava errado.
— Não sabia que se importava com política. — De repente ouvi a voz de Mei, e meus olhos fugiram da televisão, indo em direção a mulher. Lá estava ela, sentada na minha frente, com seus olhos alaranjados bem focados em mim. Seus longos cabelos negros soltos, e seu sorriso de canto de boca bem estampado.
— Normalmente eu não me importo, mas é sempre interessante ver as pessoas lutando pela própria liberdade, não? — Questionava, sorrindo para Mei. Sajima era o tipo de pessoa que fugia desse tipo de questionamento moral, principalmente quando política estava envolvida no meio.
— Sinceramente, Tatsuya, eu tô pouco me fodendo pra o que acontece com essa merda de cidade. — Ela deu de ombros, e seus olhos correram até a televisão. — Isso aqui só se torna um inferno cada vez mais. Tá aí a prova. — Ouvindo as palavras de Mei, meus olhos novamente focaram na televisão.
— NOBLE! NOBLE! NOBLE! NOBLE! — Era isso que os manifestantes gritavam na televisão, enquanto jogavam pedras contra os policiais. Noble era um nome que quem frequenta a internet ou assiste um pouco de televisão já estava familiarizado. Uma figura misteriosa que ninguém sabia a identidade e que lutava pela liberdade da cidade; alguns dizem até mesmo que ele luta pela liberdade de toda a China, mas eu pessoalmente acho que seja balela.
Rumores de que ele foi responsável por vários ataques ao longo de Hong Kong, contra prédios do governo, policiais e até mesmo militares. Pra alguns, Noble é um herói, um libertador; pra outros, ele é um monstro, um terrorista. O que importa é que ninguém sabe quem ele é, e pelo jeito até o governo tem dificuldades em descobrir a sua identidade.
— Noble... — Ouvi o murmúrio de Mei, enquanto ela observava a televisão. — Um brinde ao herói de Hong Kong. — Brincando, Mei levantou sua lata de cerveja na minha direção, dando um gole na mesma. Eu me limitei a apenas rir.
— Foi mal, Mei, mas eu não brindo pra terroristas. — Dito isso, também dei um gole na minha lata de cerveja.
— Ora, não me diga que você acredita que o governo seja o inocente da história. — Também rindo, Mei focou seus olhos em mim.
— Não, pô, mas... Ele não é melhor que o governo se faz tudo isso que dizem. — Afirmei. Realmente era isso que eu achava. Há outras formas de se libertar um povo.
— Nós estamos numa zona moralmente bem questionável pra ficar tecendo esse tipo de crítica. — Ela comentou, bebendo novamente da lata. A encarei, arqueando as sobrancelhas.
— Uau, falou bonito agora. — Debochei, e ela riu, negando com a cabeça. — O Hiro te ligou? Ele vai demorar muito? —
— Não, ele não falou mais nada. — Mei respondeu. — Deve ter algum compromisso importante se esqueceu de avisar. —
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Hong Kong 2189
Ficção CientíficaHong Kong, uma cidade fria, e que por vezes, pode ser impiedosa. A corrupção e a violência assola as ruas, e cada vez mais a linha entre ser humano ou máquina fica tênue. Ninguém está seguro, e ninguém está isento de culpa. Quanto mais você cava, ma...