Okabe Hiro I

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  Meu pé estava levemente repousado no acelerador do carro, enquanto meus olhos permaneciam fixos na rua em minha frente, mantendo uma boa parte da minha atenção no trânsito. No banco de trás do veículo, minha armadura de combate e o meu fuzil se encontravam armazenados a vista de todos. Não era algo que eu gostava de fazer, mas meu carro era pequeno demais pra guardar o equipamento em qualquer outro lugar.

  A janela estava abaixada, então conforme acelerava eu deixava a brisa do vento bater no meu rosto, me aliviando do calor daquele fim de tarde. A música ecoava em um volume relativamente baixo, suficiente pra me deixar relaxado. O dia havia sido longo e corrido, afinal passei a madrugada ajudando Tatsuya e Mei a matarem mais um dos alvos dos nossos contratos, e por ora eu deixaria os dois cuidarem sozinhos de pegar a recompensa do nosso cliente, pois ao contrário deles, o meu dia estava longe de acabar.

  Virando o volante para a direita, eu subia com o carro em cima da calçada e conseguia enfiar o veículo em um pequeno beco entre dois grandes prédios, parando ali e desligando brevemente o motor. Coloquei meu braço esquerdo pra fora da janela, e em um movimento involuntário, fiquei batendo a palma da minha mão tranquilamente na porta do carro. Já estava acostumado com os atrasos de Lian, e é por essa razão que eu nunca chegava na hora.

  Era estranho, mas... Apesar de já terem se passado anos, eu ainda sempre ficava nervoso quando estava prestes a encontrá-la, e por essa razão eu sempre tentava me distrair pensando em trabalho.

  Eu não demorei para ser tirado desses pensamentos quando notei a porta de um dos prédios - que levava até o beco - se abrir. De lá uma mulher saía em passos calmos e graciosos. Lian era uma das mais belas mulheres que havia visto na vida, então nunca deixava de admirar sua beleza quando fixava meu olhar nela. Seus cabelos eram longos e platinados, parecendo brilhar com o neon da cidade. Os olhos amarelados dela também eram brilhantes, e apesar de serem provenientes de implantes, não deixavam de ser bonitos. Estava trajada em um sobretudo branco que ia até metade de suas coxas, o que deixava suas longas e grossas pernas bem expostas, mostrando a tatuagem do dragão chinês negro que ela tinha na coxa direita. Em seu salto alto, ela caminhou até a porta do passageiro do carro, abrindo-a e sentando-se ao meu lado. Imediatamente senti o seu perfume que parecia se espalhar por dentro do veículo todo. Cruzando as pernas e os braços dentro da cabine do carro, Lian soltou um longo e pesado suspiro de cansaço, fechando por alguns segundos os seus olhos. Uma de minhas mãos estavam repousadas ao redor do volante, e ali eu batia meus dedos lentamente, assentindo com a cabeça.

  — Tem certeza que é uma boa deixar o clube vago por hoje? — Perguntei, tentando puxar assunto. Pra mim era mais do que claro que ela estava irritada ou ao menos incomodada com algo.

  — Lin vai cuidar de tudo na minha ausência. — Ela foi direta, abrindo seus olhos amarelos e os levando até mim. — Mas não posso demorar muito. A semana vai ser trabalhosa.

  — Pra mim também. — Respondi, voltando os olhos pra frente.

  — É... E eu sei bem o porque. — Disse Lian em um tom de clara indignação. — Não consigo acreditar o quão idiota você pode ser às vezes, Hiro.

  — Por favor... Não começa. — Murmurei, suspirando e voltando minha atenção para Lian, que observava para fora da janela do passageiro. — Você sabe bem o que está fazendo, com o que está contribuindo.

  — Eu faço o que faço pelo bem da família. — Argumentou Lian, fechando um pouco do seu semblante. — Existem sacrifícios que precisam ser feitos no meu ramo, Hiro, e eu não pretendo jogar todo esse poder na mão daqueles velhos decrépitos de Pequim.

  — E eu não pretendo deixar esse poder na mão de nenhum dos dois. Nem na deles, e nem na sua. — Fui direto com as palavras. Não era prazeroso pra mim me opor a Lian, mas nem mesmo ela me faria ir contra minha própria moral. Ela ficou em silêncio ao me ouvir, engolindo seco.

  — Eu não sou o governo, Hiro... E eu realmente gostaria que você parasse de me enxergar dessa forma. — Não era assim que eu a enxergava, mas... As coisas não eram tão simples.

  — Você sabe que não é assim. — Murmurei com certo pesar. — Me desculpa. — Dito isso, o silêncio imperou no carro por um momento. Lian abriu sua pequena bolsa de mão e dali tirou um cigarro, colocando-o entre seus lábios. Em seguida ela também me entregou um, e eu não pude recusar.

  — Fogo? — Perguntou, e eu tirei da minha jaqueta o meu isqueiro, primeiro acendendo o cigarro dela, e por último o meu. Tragando o mesmo, Lian soltava a fumaça pela janela abaixada. — Como foi o trabalho de hoje? — Também soltando a fumaça, retornei meus olhos até Lian.

  — Tranquilo. — Afirmei. — Mei e Tatsuya devem estar indo coletar o pagamento agora. — Comentei, tragando mais uma vez o cigarro. — Não deve ser uma quantia muito alta, mas... O suficiente pra gente por um tempo. — Soltei outra vez a fumaça, encarando Lian de canto.

  — E ao invés de ir com eles, você veio me ver? — Perguntou pra mim, e bom... Mei e Tatsuya sabiam se virar muito bem sem mim. Essa é uma das oportunidades que eu não gostava de deixar passar.

  — Não é sempre que você tá com a agenda livre. — Respondi, batendo as cinzas do cigarro para fora do carro.

  — Eu me sinto uma puta me encontrando com você assim, Hiro. — Ela dizia em um tom de desaprovação. — Dentro do seu carro, em um beco... Daqui a pouco você já vai estar perguntando quanto eu cobro. — Em deboche, ela negou com a cabeça.

  — Nós dois concordamos que seria mais seguro assim, tanto pra você, quanto pra mim. — Argumentei, mas pela sua expressão, era claro que Lian não estava satisfeita.

  — Os tempos mudaram. A gente não precisa mais se esconder já faz alguns anos. — Ela voltou seus olhos até mim. — Talvez se você parasse com as suas loucuras nós poderíamos tentar ser um casal de verdade. — Aquelas palavras em específico não eram fáceis de ouvir, então me limitei a desviar o olhar para o outro lado, suspirando. Eu queria aquilo, ao mesmo tempo que eu não podia. Lian nunca entendeu, e nunca se esforçou pra entender. Não é agora que eu a faria compreender.

  — Eu não vim aqui pra discutir isso. — Respondi diretamente. Não gostava de falar sobre esse assunto com ela.

  — Eu sei pelo que você veio, Hiro... Mas sinceramente, eu não sei se eu estou no clima. — Dito isso, Lian tragou o cigarro mais uma vez, voltando sua atenção para fora do carro. Depois de tudo que ela disse, nem eu estava mais no clima.

  — Posso pelo menos te levar pra comer alguma coisa? — Perguntei, levando meus olhos de forma inocente até Lian, que continuava a encarar para fora do carro com seu cigarro. Ela ficou em silêncio por alguns segundos após a pergunta, soltando a fumaça pela boca e jogando o cigarro para fora da janela.

  — Vamos deixar isso pra outro dia. — Murmurando tais palavras, Lian abriu a porta do carro, colocando uma de suas pernas para fora pra descer. De forma súbita, segurei seu braço com a minha mão.

  — Espera. — Quando a segurei, ela virou seus olhos amarelados na minha direção, aguardando o que eu diria. Não queria que ela fosse, mas... Não havia nada mais que eu pudesse fazer. — Quando eu posso vir te ver de novo? — Questionei de forma sincera, engolindo seco com medo da resposta que viria. Lian voltou a se sentar no banco do carro, colocando a perna outra vez no interior. Me encarando fixamente com seus olhos amarelos brilhantes, ela agilmente me puxou pela gola da jaqueta, trazendo meus lábios até os seus. Quando percebi, já estava envolvido no beijo de Zhao, que montava no meu colo, pouco se importando com o volante que estava na minha frente. Minhas mãos passavam pelo seu corpo, e naquele instante eu apenas me permiti viver o momento, e deixar todo o resto de lado.

Hong Kong 2189Onde histórias criam vida. Descubra agora