Se Eunoia tivesse que desconstruir-se em duas palavras seria: "mental hoe". Porquê?
Primeiro, porque esta palavra não existe, logo isso associa-a há algo novo, ou à uma peça genuína, foi inventada por ela e por alguma razão soa bem.
Segundo, porque ela gosta da ideia de fazer amor com um cérebro, ou entre cérebros, continuando a sua busca por alguém capaz de despir a sua consciência. Pois, a mesma acredita que só ficamos verdadeiramente desnudos aquando de nossos devaneios, quer sejam eles individuais ou coletivos. Quando nos encontramos despidos de todas as cortinas, costuradas em nossa derme, com um tecido de pura superficialidade. Somos obrigados a cobrir-nos, para nos sentirmos mais admissíveis, aparentemente pela sociedade. Entre véus, fatos, saias, gravatas, e vestidos justos.
Os pensamentos de Eunoia são interrompidos pelas palmadas em seu ombro, fazendo com que instantaneamente fosse arrastada para um dos infinitos compartimentos da mente que na qual chamam de "realidade".
Era um colega, Paulo. Ele aponta para o palco fazendo um gesto que na qual ela já estava familiarizada, estava na hora de fazer mais uma apresentação.
Eunoia vestiu-se imediatamente antes que o Donald, o seu chefe, se apercebe-se que já estava atrasada para a sua apresentação, e com este pretexto ameaçar punir-lhe com um desconto no salário, mais uma vez. Com isso, Eunoia sai logo do armazém que eles insistem em chamar de "camarim". O que originalmente era uma dispensa, mas, de certo que ela não se ralava com isso. Dirige-se para o palco do bar e dá início à mais uma sessão do único capítulo da sua vida que ela não se importava de escrever e de reler. Talvez seja este o motivo que a aprisionava não sou o seu corpo, mas também a sua alma àquele lugar.
Ela trabalha neste sítio há dois anos, o patrão é um gordo aproveitador ,"Donald" é assim que o chamavam. Mas não era apenas o Donald, a clientela, alguns colegas de trabalho, e até mesmo o lugar parecia uma pocilga com um forte odor de cigarros e álcool. E ela tinha de fazer um pouco de tudo ali em troca de uma ninharia. De certo que ela não pode reclamar assim tanto, pois "uma mulher tem de fazer o que pode para sobreviver". Desde tenra idade foi incutido essa ideia na cabeça de Eunoia, pois o mundo foi criado por um homem, e será salvo por um outro. Não a julguem, é que para além das apresentações de musical stripteaser, também vendia a sua carne para diferentes homens, e eles perfilavam os corredores, salivando, aguardando pela sua vez de saborear a sua carne com sabor de pecado, como num rodízio.
Como já havia dito à pouco tempo, uma rapariga faz o que pode para sobreviver, e se isso significa limpar este buraco, atender as mesas, ou aturar alguns bêbados em busca de prazeres, não há problemas, é só um trabalho, ela detesta, mas é só um trabalho. E vendo pelo lado bom ela pode sempre cantar e dançar. Era desse jeito, aparentemente, ingénuo que ela organizava os seus pensamentos, na tentativa de embriagar todo o desconforto.
Tivera conhecido um homem que a fez florescer de um estado mórbido, que ela se encontrava por tanto tempo. Esse jardineiro forasteiro tratou de suas folhas com alguma delicadeza, proeza, executou de forma tão gentil que a fez florescer não apenas folhas, mas novos ramos também.
Eunoia se deleita na vontade de querer reviver aquele momento e se perde nos seus pensamentos.
...
Em um dia aparentemente comum.
Lá estava Eunoia em mais uma performance. Assim que ela termina, caminha em direção ao "camarim" para trocar a sua vestimenta de apresentação por uma menos formal, pudendo assim voltar ao expediente de garçonete do dia. Enquanto o fazia percebeu que havia um homem sentado em uma mesa bem próxima ao bar. Consideraria isso algo normal se ele não estivesse com os olhos fechados, mas não como se estivesse a dormir, era mais como se estivesse a meditar. Ela cogitou essa possibilidade porque sempre foi uma praticante de meditação assídua. Mas também, não tinha muito o que observar estando de olhos abertos, não tanto como estar de olhos fechados, a sua condição biológica permitiu conhecer o universo pela porta da frente. Mas isso não vem ao caso agora. Pois, tal como dizia o forasteiro pareceu estar a meditar, ou também podia estar apenas a aproveitar aquela pausa para repousar, foi o que ela pensou naquele instante.
Após realizar a mudança de roupa, Eunoia volta para o bar. Minutos depois, Fernando chama por ela em um tom desesperado.
-Eunoia, por favor, vá atender este senhor porque estou extremamente atarefado.
"Sou explorada constantemente e o homem nem consegue dar-me um aumento, sinceramente." - Pensa descontente.
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