Capítulo 1

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Eu não acredito que estava parada no meio de uma trilha, no nordeste do país. Eu tinha que ser estúpida e surtar com a minha vida e começar a viajar o mundo.

Deveria ter levado meu carro em uma oficina, mas anos trabalhando com homens me fez perceber quando eles querem me passar a perna, e o mecânico da cidade vizinha estava obviamente tentando me enganar, mas olhando meu carro agora saindo fumaça do capô talvez ele não estivesse realmente tentando me enganar e eu precise começar a aprender a confiar um pouco mais nas pessoas.

Fechei o capô do carro e voltei para dentro do meu carro quando ouvi um trovão no horizonte, seguido por um relâmpago que iluminou o céu escuro. Eu não tenho muitas opções, posso ficar aqui esperando uma alma boa passar e me ver parada a beira da estrada, posso tentar caminhar até uma residência próxima e pedir ajuda, o que me leva ao risco. Hoje mais cedo, estava almoçando em um pequeno restaurante da cidade e ouvi uma velhinha falando sobre um demônio sugador de almas, o que foi logo corrigido por um senhor dizendo que ele era o chupa cabra. Bem, lendas locais é muito comum no Brasil, nosso folclore é riquíssimo, e eu sou muito supersticiosa e acredito em algumas lendas. Fazer o quê? Essa sou eu.

A chuva começou de repente e o céu escureceu, e o mais surreal, um homem andando a cavalo parou ao lado do meu carro.

— Olá, senhorita, precisa de ajuda?

Ele parecia incrivelmente atraente, tinha uma postura nobre e vestia roupas limpas, mesmo em cima de um cavalo.

— Meu carro quebrou, e eu não sei o que ele tem de errado.

— Minha casa não é muito longe, posso pedir ao meu caseiro para olhar seu carro. — Seus olhos brilharam, mesmo debaixo da chuva intensa.

— Imagina, eu não quero atrapalhar.

— Senhorita, é perigoso ficar nessa estrada a noite, ainda mais sozinha.

— Ah sim, ouvi sobre o demônio sugador de almas.

Ele deu um sorriso discreto e concordou.

— Exatamente, senhorita.

Suspirei. O que eu posso fazer? Aparentemente eu não posso ficar aqui sozinha, no meio da chuva esperando ser atacada por uma lenda, ou por um homem perigoso, seja lá o que esse tal de demônio é.

Sai do carro e o meu salvador me observava com os olhos atentos. Peguei minha mochila no banco passageiro e talvez muito inutilmente travei o carro. Se a casa dele for muito distante, talvez eu nem ouça o alarme caso alguém pense em arrombar meu carro. Enfim, hoje não é meu dia de sorte.

Ele estendeu a mão para me ajudar a subir no cavalo, meu coração palpitou ao sentir sua mão gelada encostar na minha, ele estava há muito tempo parado debaixo daquela chuva, é claro que ele estaria com a pele congelando. Subi com muito esforço no cavalo, mesmo a sua ajuda. Quando ele sentiu que estava devidamente estabelecida o cavalo trotou estrada a cima.

Minutos depois estávamos diante de uma fazenda com aparência antiga, parecia aquelas fazendas que vemos nas novelas da globo.

Ele parou o cavalo perto da escada em frente a grande casa no centro do terreno, desceu e me estendeu a mão me ajudando a descer também.

— Desculpe, eu não sei o seu nome.

— Lucian, senhorita, e o seu?

— Meu nome é Arabela.

— Adorável como você. Pode entrar e se estabelecer na sala de estar, vou avisar ao caseiro do seu carro.

— Obrigada.

Subi as escadas devagar enquanto o via desaparecer na lateral do terreno, ao lado do casarão. A porta da sala estava aberta, então entrei. Encontrei um cômodo aconchegante e muito bem decorado. Deixei minha mochila no chão ao lado do sofá e sentei em uma cadeira de madeira no canto da sala, não queria molhar o estofado com minha roupa úmida e cheia de sujeira da viagem.

A essa hora era para estar chegando a serra e provavelmente já ter encontrado uma pousada para descansar um dia ou dois, mas me distrai demais com a feira livre da cidade e com a comida incrível. Meu pai me mataria se soubesse que aceitei ajuda de um homem no meio da estrada, a noite e agora estava sentada em sua sala esperando-o retornar.

Lucian apareceu na sala, pelo cômodo seguinte e não pela porta da frente, ainda molhado da chuva.

— Já avisei a Baltazar, ele vai buscar seu carro. Venha, vou lhe mostrar seus aposentos.

Por que esse homem bonito fala como o meu avô?

— Obrigada.

Ele apontou para o corredor escuro, peguei minha mochila e o segui corredor adentro. Passamos por diversas portas fechada e quase no fim daquele enorme corredor, paramos em frente a penúltima porta, ele segurou a maçaneta a abrindo e sorrindo abertamente.

— Estarei a sua disposição, senhorita, basta me chamar.

Entrei no quarto e assim que cruzei o limiar da porta ele a fechou me deixando sozinha, peguei meu celular dentro da bolsa e ainda não tinha nenhum sinal. O bom e o ruim dessa minha viagem louca é justamente isso, às vezes, em algumas cidades não há sinal de internet ou ligação e fico dias sem falar com meus amigos e familiares, mas hoje isso só me prejudicou.

O quarto era amplo e parecia saído de uma pintura renascentista. A cama de dossel, com lençóis brancos, uma varanda ampla divida por portas francesas. No lado esquerdo uma porta e uma cômoda na parede oposta a cama. Fui até a porta e constatei ser um banheiro, luxuoso em azulejos brancos, uma banheira de aparência vintage no meio do cômodo. O banheiro era tão grande, quase o triplo do meu banheiro em casa, lá em São Paulo.

Liguei a água da banheira, deixando a encher com uma água surpreendentemente quente, tirei minha roupa úmida e a pendurei no cano que a pendurava uma cortina plástica improvisando um box, esperando estar seca até de manhã. Entrei na água quente e suspirei de prazer.

Depois de um banho mais relaxante do que esperava, voltei ao quarto e vesti um moletom guardado na minha mochila, estava penteando o cabelo quando ouvi baterem a porta. Ao abrir a porta Lucian estava parada segurando uma bandeja com um bule e uma xicara com um chá muito cheiroso.

— Para você conseguir descansar melhor, meu criado já foi buscar seu carro.

Criado? Quem fala assim em pleno século 21?

— Ok, muito obrigada. — Peguei a bandeja de sua mão, ainda surpreendentemente fria e fechei a porta com a mão livre.

Desde o momento em que meu carro quebrou e eu cruzei com ele na estrada, nada parece normal. Ele é frio e cheio de mistério. Quem fala ou se porta dessa maneira?

A chuva do lado de fora não deu trégua e não parecia que pararia tão cedo. Eu estava assustada, mas o que poderia fazer? Realmente ficar parada no meio da estrada com esse tempo não é muito melhor do que minha situação atual.

Sentei em um poltrona no canto do quarto e tomei o chá de camomila calmamente.

"Pense Arabela, o que você pode fazer para se manter segura?" Eu me coloquei nessa situação porque queria aventura, descobri que meu namorado de mais de dez anos havia me traído com o toda a cidade, então em um surto deprimido de termino, peguei todo o meu dinheiro e sai viajando pelo Brasil conhecendo tudo que sempre quis conhecer. Não me arrependo da minha decisão, mas nesses cinquenta dias de viagem não passei por nenhuma situação parecida, e obviamente passei por lugares muito perigosos.

O jeito seria rezar para que tudo fique bem amanhã de manhã.

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