Cɑp 17

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Ethan

Em um passo lento vou me aproximando da casa. Um veículo velho está estacionado na estreita rua Lincoln. Faço um gesto para que Bart tenha cuidado. A adrenalina percorrendo minha corrente sanguínea. Gotículas de suor se formam na minha testa a cada novo passo em direção ao inesperado. Lidar com traficantes não é tão simples quanto se pensa. Eles parecem ratos, quanto mais se elimina mais aparece.

Dobramos a varanda da frente entrando no quintal, a grama alta e a porta dos fundos enferrujada denunciavam que há anos essa casa foi abandonada. Com minha pistola erguida e meu dedo engatilhado giro a maçaneta. O medo serve de cautela pelo menos para mim, eu tenho uma filha para criar e agora uma namorada. Pessoas com quem eu me importo e quero voltar.

A porta range um pouco sobre as dobradiças desgastadas, Bart entra na frente. A casa tinha um odor forte que era impossível de descrever, não havia uma evidência de que essa casa estava sendo ocupada há meses apenas algumas baratas transitavam livres pelo assoalho sujo e gorduroso.

" Que merda de denúncia filha da mãe é essa?"

─ Chefe não tem nada aqui.

─ Vamos subir. Falo tomando à frente dessa vez.

Meu peso sobre o degrau de madeira faz ele ranger assim como a porta. O corredor empoeirado e as portas arrancadas eram indícios demais que esse ser desocupado não tem noção do quanto nosso trabalho é importante.

Bart e eu voltamos para a delegacia putos de raiva. Nem mal entrei na minha sala quando Fernanda uma das escrivães entrou.

─ Chefe eu preciso sair mais cedo, lembra que eu te avisei que hoje seria a reunião do Craig? Disse a mulher negra com ambas as mãos na frente do corpo.

Fernanda é uma das melhores escrivães que já conheci, sempre muito profissional, competente e olha que para uma mulher bonita e solteira não deve ser fácil conviver com esse bando de testosterona por todo lado. Realmente ela é uma mulher admirável.

─ Sim pode ir Fernanda.

─ Com licença chefe, até amanhã.

─ Até. Ela sai da minha sala fechando a porta.

Sentei na droga da minha cadeira ainda irritado. Se as pessoas entendessem o quanto essas denúncias são frustrantes, sem contar que é um prejuízo para elas próprias. Porque enquanto desloco dois policias para averiguar uma denúncia falsa alguém está realmente precisando. Tento focar em outra coisa que não seja nessa merda. Olho para a pilha de processos em cima da minha mesa e pego a primeira pasta. Hoje o dia vai ser longo.

(...)

Depois de um turno conturbado de mais de dez horas tudo que queria era chegar em casa e tomar um banho. O crepúsculo que precede à noite tinge o céu em um tom alaranjado com nuances azuis anil. Ando em direção ao meu carro estacionado na mesma vaga de sempre. Entro no espaçoso e quente veículo. Jogo a pasta no banco detrás e antes de virar a chave na ignição ligo o rádio deixando em uma estação qualquer. Coloco o cinto e arranco com ele em seguida.

Como era o esperado uma fileira de faróis vermelhos tomavam à frente do meu. Os comércios que se estendiam por toda a calçada do centro já estavam de portas abaixadas, apenas um ou outro comerciante permanecia com as portas abertas. Um som gostoso começa a tocar na estação tomando toda minha audição. Não conhecia o cantor mas a voz potente misturada a melodia suave era muito apreciável. Meus dedos tamborilando o volante enquanto tentava cantarolar a nova canção aprendida. Esse cara é bom!

Dez minutos depois o carro da frente se mexeu e eu avancei com cuidado um pouco mais. A próxima canção era impossível de esquecer. Avril Lavigne I'm with you. O ano era 2002 essa música estava estourada em todas paradas mas ela não tinha esse significado pra mim. Era mais íntimo, mas especial. Silvia amava a Avril Lavigne, seu quarto tinha pôsteres espalhados por toda as paredes. Ela estava mais reluzente aquela manhã, seus longos cabelos dourados presos em um rabo de cavalo, seus olhos verdes presos sob o livro de álgebra, essa música tocava ao fundo quando ela olhou pra mim e sorriu. Lentamente ela sussurrou: Eu amo você! Senti meu peito arder com essa lembrança e as lágrimas já beiravam meus olhos. Silvia levou duas semanas para me amar e desde aquele dia nada mais nos separou, até a morte. Como havíamos jurado diante de Deus e daquelas pessoas. Eu amei a Silvia com todas as minhas forças, eu a amei nos dias maus e nos bons. Eu a amei como um homem deve amar sua mulher, cuidar dela, fazê-la feliz mas não consegui protegê-la naquele dia e me sinto profundamente culpado por isso. Era meu papel de marido e delegado defender e proteger as pessoas mas falhei miseravelmente nisso. Minhas lágrimas caíram grossas e quentes enquanto Avril Lavigne me nocauteava com recordações. Eu detesto a palavra viúvo, ela me causa repulsa e detesto que alguém se referisse a mim desse jeito. No começo quando alguém me perguntava como eu estava eu era rude, dizia: Bom minha esposa está morta e gostaria de estar com ela então acho que não estou bem. Elas sempre ficavam desconfortáveis com isso mas merda elas não queriam ouvir a verdade? Elas esperavam o quê? Um eu estou bem, criando um bebê de 11 meses sozinho.

Uma buzina me desperta dos meus pensamentos e noto que o carro da frente estava em uma distância considerável. Voltei a dirigir com cautela.

Estacionei o carro em frente a faixada da casa e saio pegando minha pasta no banco detrás. Não pretendia guardar ele agora já que tinha planos de fazer uma visita rápida a Marie mais tarde. Notei uma Mitsubishi 4×4 branca estacionada um pouco mais à frente perto da residência da senhora Goldfinger. A placa era do Texas. Conheço esse carro. Subo os degraus que antecedem a varanda e enquanto ando até a porta da frente pego as chaves no meu bolso. Abro a porta e entro. Ouço vozes animadas vindas da sala de estar. Deixo as chaves e minha pasta em cima do aparador perto do vaso branco com orquídeas. Entro na sala e Manolo que estava sentado no sofá ao lado de Kate se vira para trás.

─ Ethan! Ele fala animado e levanta do sofá vindo até mim. Nos abraçamos brevemente.

Madison que estava sentada na poltrona também se levanta.

─ Oi Manolo que surpresa?

─ Pois é Candice e eu temos novidades.

─ E cadê ela?

─ Serve essa aqui. A voz aveludada da minha sogra ressoou atrás de mim e me viro. Ela carregava nas mãos um balde de pipoca e um sorriso largo no rosto.

Silvia era a xerox da mãe, os cabelos, os traços finos, do pai ela só havia herdado a teimosia.

─ Candice tudo bem?

─ Tudo ótimo meu filho.

─ Bom eu vou indo. Madison se adiantou.

─ Ah! não querida fique mais um pouco. Candice murmura indo até loira.

─ Eu até gostaria senhora Benson mas já está tarde.

─ Que nada ainda são sete horas.

─ Vocês vão ficar na cidade até quando? Pergunto.

" Não me levem a mal eu amo meus sogros, mas a Candice não sabe impor limites a Kate e eu quero ter minha privacidade."

─ Bom querido estamos velhos e decidimos voltar para São Francisco. Kate é um pedaço da nossa filha e não queremos perder os melhores momentos. Candice se adianta.

─ Entendi já viram casas?

─ Ainda não mas amanhã mesmo eu e a Candice vamos atrás. Disse o senhor de estatura baixa e cabelos grisalhos.

Ando até o sofá e dou um beijo na testa da minha filha que estava atenta com o novo brinquedo.

─ Tudo bem meu amor?

─ Uhum, tudo papai. Eu não contei da Marie para eles acho que a vovó ia ter um ataque se soubesse.

─ Fez bem meu amor o papai vai contar.

─ Está bem. Ela sorri acariciando meu rosto.

─ Bom vocês já são de casa eu vou subir e tomar um banho, meu dia foi pesado.

─ Por isso a Silvia queria que saísse desse emprego Ethan, pense na Kate e se acontecer alguma coisa?

─ Obrigado Candice eu já tinha pensado nisso. Falo ao mesmo tempo que tomo as escadas.

─ Isso mesmo melhor decisão.

─ Eu já volto. Corto o assunto ou do contrário ficaríamos à noite toda aqui batendo papo. Conheço muito bem a senhora na minha frente.

Entro no meu quarto. As caixas já não estavam mais ali no canto da parede branca. É tão estranho como oscilo entre minhas emoções, eu sinto falta da Silvia em uma hora mas na outra sou perfeitamente capaz de dormir com outra mulher na nossa cama. Tiro meus sapatos e me livro de todas as minhas roupas deixando elas no chão. Ando até o banheiro. Assim que entrei debaixo do chuveiro sentindo a água quente em contato com a minha era como se além das impurezas do meu corpo ela também levasse todo o fardo que carreguei durante o dia. Trabalhar em uma delegacia é pesado. Ali conhecemos o pior de um ser humano, desde crimes leves até crimes hediondos. Saio do chuveiro e enrolo uma toalha ao redor da cintura, ando até o balcão de madeira escura e esfrego a mão no espelho embaçado por causa do mormaço que se instalou dentro do cômodo. Dei uma boa olhada na imagem do homem cansado e notei alguns pelinhos pretos apontando no maxilar e região da boca. Eu me barbearia se não fosse o tesão que a Marie confessou ter nela. Em falar nela precisava desmarcar minha ida até seu novo apartamento. Candice e Manolo são pais da Silvia e avôs da Kate não podia simplesmente ignorar a presença deles e ir para a casa da minha namorada.

Destinos Cruzados ( Obra concluída )Onde histórias criam vida. Descubra agora