"- Gosto de chá com bastante mel, me julgue
- Sério? Eca, vou ali provar"
HAVEN
Cobrindo a cabeça com o capuz pesado de cor verde prossigo andando pelas ruas de Madrid e sinto as pequenas gotas de chuva começarem a cair. Sombrinhas de todas as cores são levantadas institivamente e eu sorrio enquanto atravesso a rua em direção às lojas do outro lado.
As mínimas lojas aquecidas me chamam a atenção, mas eu as ignoro apertando minha mochila em meu ombro. Paro no meio do caminho para que uma senhora de bengala passe por mim e me viro de lado vendo a pequena loja de artesanatos.
Meus olhos capturam o pequeno globo de neve e eu me aproximo tocando com a ponta dos dedos o vidro gélido. Entro na loja por um impulso e pego o globo observando enquanto balanço de leve vendo como a neve sobre cobrindo a cidade dentro do globo.
- É lindo, não é? – me viro para a vendedora usando um sobretudo de tricô e afirmo fungando de leve
- Sim, é maravilhoso
- Está a passeio? – ela pergunta e eu nego balançando a cabeça, ela pisca um tanto confusa. Até porque quem iria se interessar por um globo de neve de uma cidade onde você já mora?
- Eu tenho que ir, obrigada – eu falo e pouso o globo na estante saindo da pequena loja. Respiro o ar úmido e sigo em direção ao hospital pediátrico, mas as lembranças já estão lá
Escorrendo por minha cabeça como a chuva escorre pelas calçadas de Madrid.
14 anos atrás
- EU JÁ DISSE QUE EU NÃO FIZ NADA – o grito entra pela brecha da porta e eu me encolho um pouco mais na parede do outro lado, o papel de parede já desgastado cutuca minhas costas e eu puxo a pontinha ignorando minhas mãos tremulas – Porque não acredita em mim?
Essa última parte é dita de forma chorosa, quase como se ela estivesse implorando, ou tentando faze-lo entender. O que nunca acontecia e não seria hoje que as coisas iriam mudar
- Porque você é uma mentirosa, acha que eu não sei quando está dormindo com os meus seguranças? – sua troveja e um arrepio percorre meu corpo.
Saía daí mamãe
Esqueça ele por alguns segundos
- Nunca fiz isso, nunca poderia fazer isso com você
- Saía da minha frente Nina – ele responde em troca e eu suspiro aliviada quando seus passos passam pelo corredor, pesados, irritados. Uma porta se fecha bruscamente e eu conto até cem antes de me levantar e ir em direção a porta do meu quarto.
Encosto o ouvido na porta e quando não escuto mais nada eu saio entrando no quarto acoplado com o meu. Minha mãe está sentada em cima da cama com os olhos no chão, seus cabelos loiros caem de forma bagunçada em volta de seu rosto.
- Mãe? – mesmo que eu tenha falo quase em um sussurro inaudível ela levanta a cabeça, sua expressão triste se transformando em um sorriso.
Mas é um sorriso quebrado, distante, distorcido
- Oi minha flor de cerejeira – sorrio com o apelido que ela me deu alguns anos atrás e vou até ela sentando ao seu lado. Nina tinha me dito a algum tempo atrás que a flor de cerejeira era uma das únicas flores que sobreviviam aos invernos mais rigorosos, e que era por isso que eu também sobreviveria, se continuasse a me chamar de flor de cerejeira.
Não era como se eu pudesse contradize-la
Não quando tudo o que ela tinha eram histórias
Minha mãe empurra os meus cabelos ruivos revoltos e toca a minha bochecha na marca vermelha que já está começando a desaparecer.
- Comprei algo para o seu aniversário – ela diz em voz baixa e eu a olho ao mesmo tempo em que meus olhos vão para a porta, como se ele pudesse entrar a qualquer momento
- Não quero nada mãe
- É claro que quer Winter, está completando dez anos hoje – Nina sorri, e esse sorriso é um tanto mais verdadeiro – Toda menina educada e bonita deve receber um presente
Sorrio e ela fecha os meus olhos com a palma da mão enquanto eu estendo as minhas com as palmas para cima. Ela deposita algo pesado e eu abro os olhos quando ela afasta a mão
Arfo segurando um globo de neve com detalhes dourados e aproximo meu rosto vendo a cidade de Madrid coberta de flocos de neve
- Uau – eu falo e Nina ri me puxando para perto
- É um presente secreto
- E eu vou poder ficar com ele? – pergunto ansiosa e ela acena lentamente como se ainda estivesse receosa
- Mas terá que protege-lo, tudo bem?
- Tudo bem – eu falo e volto a olhar o melhor presente de todos
- É a nossa cidade, nossa linda e poderosa cidade e devemos cuidar dela assim como devemos cuidar das pessoas que moram nela – Nina comenta e eu olho o ultimo floco descer antes de sacudir a bola de novo
- Um dia eu vou cuidar de todos eles – eu falo com a voz firme e minha mãe sorri
- É claro que vai e não se esqueça Winter, ajude aqueles a quem mais precisa, aqueles que ficam na borda esperando uma mão amiga
Olho para seus olhos tão claros quanto o meu e aceno compreendendo, ela me puxa de novo e descansa sua cabeça na minha com a respiração controlada e distante.
⁂
- Haven?
Pulo assustada e olho para a enfermeira a minha frente, pigarreio e olho ao redor
- Desculpe, eu estou um pouco distraída. Acho que foi a chuva
Marcelle ri e muda de assunto me salvando de ter que explicar porque eu estou molhada, com os cabelos bagunçados e a expressão de quem viu um fantasma.
Caminho com ela para a sala em que alguns pacientes estão esperando e aceno para a minha companheira de sala que já está checando uma criança que está fazendo careta a cada pergunta
Dou risada e coloco minhas coisas em cima da pequena mesa desgastada. Apoio meu celular e coloco a caixa com luvas descartáveis ao lado enquanto aceno para Marcelle.
A mãe com uma criança deslizando o carrinho pela porta entra e sorri para mim.
- Olá, boa tarde
- Boa tarde – eu falo e estendo a mão – Eu sou Haven
- Victória – ela diz e me olha – Ouvi falar muito de você, está nos ajudando bastante fazendo consultas de graça e cirurgias emergentes
- Faço o que eu posso – comento com um sorriso e desvio o olhar para a criança que segue distante fazendo sons de carros batendo enquanto atropela qualquer coisa pela minha mesa – E qual é o nome desse rapaz?
- Ruan – Victoria responde, mas a criança me olha com o queixo erguido
- Não, meu nome é Charlie
- Não é não – a mãe comenta com um suspiro e eu dou risada me abaixando para que ele me veja
- Devo supor que é Charlie de Charlie Brown? – pergunto observando sua camisa amarela com um risco preto
- Sim – ele diz e eu estalo a língua arrumando sua camisa
- Ok Charlie Brown, vamos lá
Ele sorri e pega minha mão indo até a cadeira
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Brooklyn
RomanceHá dois anos atrás Brooks entrou em um site de relacionamentos porque foi desafiado, era para ser somente uma brincadeira que duraria no máximo uma noite. Mas ele conheceu Winter e o que era para ser uma noite se transformou em dias e em seguida em...