Capítulo 9

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Abro os olhos sentindo algo úmido e gelado tocar meu rosto e acordo em um susto sentando rapidamente apenas para ver a raposa vermelha correr para fora, consigo ver minha respiração no ar gelado, meus dedos estão duros por causa do frio mesmo assim sinto algo dentro de mim me aquecer ao ver que a pequena raposa vermelha está viva e volta para mim.

Me levanto calmamente sentindo minhas pernas reclamarem do frio e do esforço da corrida da noite anterior, espirro sentindo meu corpo arrepiar, olho em volta então vejo minha sacola de couro aberta, xingo mentalmente e me abaixo olhando dentro dela apenas para a encontrar vazia. Me levanto coçando a cabeça nervosa e chuto a sacola para longe.

- Eu salvei sua vida sua raposa ingrata.

Reclamo ao ver que a pouca comida que ainda tinha guardado desapareceu, olho para cima vendo a fenda no teto entrando luz, todos os invernos tento cobrir ela mas nada segura nas pedras e suporta o inverno, mesmo assim já passou a época em que o sol quente entra por ela e me aquece, preciso a cobrir logo, tiro o cabelo do rosto com raiva o jogando para trás enquanto passo pela fenda sentindo o sol bater em meu rosto.

- Sua grande bola de fogo idiota, por que não esquenta o inverno e fica só ai parado no céu como um grande lorde gordo e inútil.

Percebo que não peguei meu arco então estico meu braço para dentro da caverna o alcançando perto da entrada, olho em volta vendo a pálida paisagem que me rodeia, respiro fundo e escuto meu estômago roncar.

Horas mais tarde sorrio comigo mesma vendo a coruja e o pequeno coelho que consegui caçar, em tempos como esse foi uma boa caça, vejo um desenho meu pregado a uma árvore o que faz meu sorriso desaparecer, o rosto não parece com o meu porém os cabelos pintados de vermelho com certeza me entregam. Arranco a folha e a escondo no bolso dentro de minha capa rasgada, mudo de direção indo para a casa de Padruig, ele deve estar com tanta fome quanto eu.

A floresta está estranhamente silenciosa, de longe já consigo ver o casebre do velho então acelero meus passos. Sinto algo enrolar em minha perna e me puxar para trás, meu corpo se choca no chão fazendo meu rosto bater no chão.

- Droga te devo dois cavalos Ciaran... estava certo que ela viria aqui.

Escuto uma voz masculina atrás de mim falar um nome conhecido por mim e congelo, é um nome que não pensava escutar novamente, é uma voz clara e sem sotaque de Uttara porém isso não serve de consolo algum para mim.

- O cabelo é mais vermelho ainda do que você disse.

Escuto outro homem falar e me viro no chão olhando para o caminho de onde vim vejo quatro lordes incluindo o grandão que lutou comigo, sinto a lembrança fazer minhas costelas mal cicatrizadas doerem.

Me levanto rápido encarando eles enquanto vejo eles caminharem ao meu redor. Como não percebi a emboscada?

- Chamou os amigos pra não levar uma surra de novo ó grande lorde?

Pergunto sentindo a repulsa correr por meu corpo e a raiva misturada ao medo subir por minha garganta, eles estavam observando Padruig, sabiam de nossa ligação.

- Ainda tem coragem de falar? Interessante.. vamos ver por quanto tempo vai se manter de pé.

Sorrio nervosa procurando por uma brecha para fugir, olho para os homens grandes e fortes, com músculos fartos, treinados e bem alimentados. Ha um arqueiro entre eles, correr não é uma boa idéia, uma flecha seria cravada em minhas costas com facilidade mas se eu o derrubar então posso correr. Mas como posso correr e deixar Padruig?

Lentamente movo minha mão até a faca de caça presa a minha cintura, o primeiro homem se aproxima desarmado e tenta certar um soco em meu rosto, desvio passando faca por seu abdômen mas apenas o arranho. Xingo e solto a capa de meu pescoço a deixando cair no chão e olhando para todos meus inimigos. Sinto meu coração bater forte.

- A ladra deve morrer.

Um dos homens fala correndo em minha direção, me coloco em posição e desvio do segundo golpe, ele também está com uma longa adaga e tenta me acertar, me esquivo e em um giro chuto sua mão fazendo sua adaga cair.

- Morrer por roubar comida? Já não estão gordos o suficiente? Deixam o povo morrer de fome apenas para manter seus estômagos cheios durante a noite.

Acerto as pernas do homem que tinha a adaga fazendo com que o mesmo caia de joelhos e então acerto seu rosto, escuto outro se aproximar por trás e o chuto ainda de costas mas então sinto um punho acertar meu abdômen, arfo com o golpe e em poucos instantes sinto meus braços serem segurados por um homem atrás de mim, o primeiro homem volta a aparecer a minha frente e antes que eu me solte sinto seu punho acertar meu rosto, o gosto de sangue invade minha boca e sinto meu corpo ser jogado no chão.

Antes que eu consiga me levantar o maior deles, o mesmo da cozinha para a minha frente e coloca seu pé sobre minha mão direita, consigo escutar meus ossos estalarem e pela primeira vez grito, sinto meus olhos lacrimejar com a dor e grito novamente quando ele força ainda mais seu pé o mexendo sobre minha mão.

Escuto os outros lordes o incentivando e então um pé acerta meu abdômen, um chute atrás do outro, alguns acertam meu rosto e corpo.

Então escuto um grito masculino e vejo um dos homens cair ao meu lado, gritando com uma flecha em seu ombro.

- Aileana..

Escuto a voz conhecida de Padruig, os golpes param e consigo me virar ainda no chão vendo Padruig com seu arco apontado para os homens.

- Não Padruig... Vai embora velho idiota.

Digo tossindo sangue, vejo os lordes irem na direção dele e antes que eu consiga me erguer por completo vejo Padruig cair com uma flecha em seu peito. Grito ao ver seu corpo se chocar no chão e sinto minhas pernas se moverem desesperadamente em sua direção, caio ao seu lado.

- Não, por favor não... Padruig.

Toco seu rosto sem perceber mais os homens parados ao nosso redor. Vejo a flecha e me viro para os lordes.

- Façam alguma coisa por favor, ajudem ele... eu imploro, ele não fez nada..

Os homens apenas olham para mim e vejo um deles puxar um pequeno punhal e dar um passo a frente.

- Deixem que ela viva.. deixei Aileana viver.

Ele é interrompido pela voz do maior, sinto nojo ao ouvir meu nome sair de sua boca.

Escuto Padruig tossir e me viro para ele.

- Aguenta velho... você precisa aguentar firme.

Digo enquanto escuto os passos dos lordes se afastar.

- Preciso levar você pra dentro... Pre..Preciso..

Me engasgo em minhas próprias lágrimas.

- Aileana... você sa..be que não adianta.

Escuto a voz dele engasgada em seu sangue.

- Por que Padruig?

Me debruço sobre ele sentindo as lágrimas escorrerem por meu rosto.

- Menina... Você é minha única filha..

Sinto minha visão embaçar e soluços se misturarem ao meu choro, ele nunca me chamou de filha antes.

- Fique quieto... você vai ficar bem.

Digo tentando me convencer e então puxo a flecha tentando impedir o sangramento com as mãos. Vejo ele erguer com dificuldade seu grande arco e o empurrar para mim.

- Fique com ele.. tenha.. uma boa vida.

Pego seu arco e o jogo para o lado mas quando me viro vejo seus olhos sem brilho, ele não está mais comigo, grito, sinto como se meu peito se rasgasse por dentro e então apenas escuro.

AileanaOnde histórias criam vida. Descubra agora