Capítulo 24

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Suspiro passando pelas ruas movimentadas e limpas pelas quais a cada dia fico mais familiarizada, não ando mais escondida nas sombras, a cidade é segura, apesar de haver pessoas pobres não lhes falta comida ou abrigo e todos usam roupas quentes com tecidos de algodão e lã coloridas. As casas são bonitas com floreiras e janelas de madeira norneadas.

Olho para meus dedos já curados e para minhas roupas limpas, além de minha capa velha tudo é novo quente e limpo apesar de usar ainda roupas consideradas masculinas por eles. A cada dia que passa as pessoas se acostumaram mais com minha presença e a constante companhia de Arwin o confiável guarda do rei.

- Não sente parte daqui? Olhe pra essas pessoas.... são seu povo.... é por elas que vai lutar.

Suspiro olhando para Arwin ao meu lado e então tento olhar para o rosto das pessoas ao redor.

- Eu nunca lutei por outros.... é apenas eu.... por isso você estava certo eu pedi ao rei para adiar toda essa coisa de me anunciar, eu quero apenas minha vingança não ser essa espécie de guerreira de paz que vocês querem.

Ele sorri e me empurra de leve. Aproveito o tropeço e desliso a mão pegando um broche mal preso a uma mulher que passa.

- Você não parece mais tão selvagem nem quando fala... acho que ainda não descobriu tudo que pode ser..... mas eu vi isso.

Arwin ri tomando o broche de minha mão e voltando para devolver a mulher, me pego sorrindo sem saber bem o motivo e me sinto leve por um mísero segundo esqueço de meu propósito.

Viro as costas e continuo o caminho sozinha, ele vai me alcançar, sempre alcança. Escuto apenas o som dos passos sobre a rua de pedra e a risada de crianças correndo atrás umas das outras e me pego pensando como seria fazer parte de um lugar assim... se minha mãe tivesse retornado viva eu teria vivido uma vida despreocupada e feliz..... e Padruig estaria vivo.

Suspiro com meu último pensamento e então escuto baque seco na rua ao qual estou passando, é um som quase inaudível, mas como ainda me mantenho alerta, alto o bastante para eu escutar. Mas antes que eu o siga sinto alguém segurar meu braço.

- Quase te perdi de vista.

Arwin aparece novamente e volto a me distrair com sua presença, as pessoas ao redor falam coisas que não entendo, apesar de tentar aprender sua língua aprendi pouco mais que alguns cumprimentos nesses meses que estou aqui.

- Não adianta o quanto eu tente eu não me livro de você.

Digo e me sinto ser arrastada por ele por dentre as ruas até o fim da cidade.

- Não é como se eu fosse perder alguém como você mesmo que tente se livrar de mim.

Ele diz e eu fico sem saber o que responder então apenas caminho em silêncio por dentre as árvores altas com os primeiros resquícios de neve sobre suas folhas. Engulo em seco ao avistar o lago pelo qual passamos todo dia para chegar ao local onde treinamos.

- Vamos parar para descansar um pouco da caminhada Aileana.

Arwin fala e eu travo no mesmo instante quase o interrompendo.

-Aqui não!

Digo e percebo o meu tom de voz alterado, ele me olha com uma sobrancelha arqueada e eu apenas continuo caminhando.

- Muito perto do lago... vamos continuar Arwin....

Falo fechando os olhos e tentando manter a calma.

- Qual problema, é só alguns minutos não vamos perder muito tempo...

O interrompo.

-Não!

Digo já o deixando para trás e então escuto seus passos me seguindo. Sinto meu corpo estremecer ao passar próximo de tanta água e minha garganta secar, olho apenas para frente tentando manter minha caminhada normal... até hoje Arwin não havia notado e eu nunca falei do assunto com ninguém, não é justo. Sinto uma lágrima escorrer por meu rosto e assim que me sinto longe o bastante me jogo sentada no chão. E Arwin que até agora continuava em silêncio senta ao meu lado.

- Passamos ali todos os dias.... quer me falar o que aconteceu?

Ele pergunta sem olhar para mim, sinto o vento gelado e fungo algumas vezes pensando em como falar disso... é estranho alguém se importar com algo tão idiota e sinceramente falar de algo assim sem uma gota de álcool é ainda mais esquisito.

- Eu cai no lago quando era criança... eu tinha uns 6 ou 7 anos não lembro bem... o gelo estava fino, quebrou e eu cai... um garoto pulou e me salvou, a gente brincou junto durante meses e ele me trazia comida sempre, eu não entendia como ele tinha tanta comida e eu nada mas ele sempre me deixava ganhar nas brincadeiras e lutas.... até que a mãe dele descobriu e me mostrou a diferença entre um filho de lordes e um rato como eu, eu quase morri na água e pelas mãos da mãe dele... desde então eu não consigo ficar perto de tanta água.

Suspiro lembrando da dor da água quase congelada entrando por minhas narinas e também a dor das primeiras costelas quebradas e então mais uma lágrima escorreu.

- E.... ele me reconheceu naquele dia, o desgraçado poupou minha vida depois de ter ajudado a matar Padruig.... o garoto que me salvou é me levava comida quando criança, o único amigo que eu tive foi quem matou o homem que me criou....

Digo com a voz trêmula e o choro lutando para escapar por minha garganta, Arwin não fala nada mas de repente sinto seus braços me puxarem para perto de si, tento me afastar por alguns segundos mas então desisto e apenas deixo as lágrimas rolarem e ele me reconfortar.

AileanaOnde histórias criam vida. Descubra agora