No início, tudo era Escuridão. Escuridão fria, Escuridão vazia, Escuridão voraz. E a Escuridão, com seus cabelos compridos, sua capa instransponível, reinava.
"Que se faça a Luz", disse Deus então. E a Luz se fez. Luz clara, Luz viva, Luz quente. A escuridão, agora, tinha uma rival. A Luz ameaçava a escuridão: deixava-lhe à espera, à espreita, faminta. Esperando pelo momento em que pudesse voltar a engolir tudo, a escurecer tudo.
A Escuridão, assim, decidiu se vingar, e em meio à Luz fez nascer sua filha, sua cria amada, que lutaria contra a Luz para recuperar o lugar que era seu. A Escuridão criou a Sombra. E a Sombra fez-se onipresente: jamais haveria Luz sem que a Sombra também se fizesse.
Luz e Sombra tornaram-se, então, parte de um mesmo núcleo, parte de um mesmo todo. Uma existência conjunta, irmãs postiças unidas por uma corrente inquebrável.
Luz e Sombra se enfrentaram, o trono entre suas batalhas mortais, ocupado apenas pelo nada. O trono que por séculos, por milênios, assistia em silêncio a eterna guerra entre as duas irmãs.
Eras se gastaram, civilizações surgiram e pereceram, muros foram erguidos, pirâmides projetaram suas pontas aos céus. E Luz e Sombra, dia após dia, enfrentavam-se, destroçavam-se a cada anoitecer e amanhecer.
Sombra e Luz tiveram também seus próprios filhos: Bem e Mal. Crianças robustas, crias implacáveis, soldados incansáveis a lutar pelo trono que ainda esperava.
Bem e Mal assistiram o passar dos tempos, povoaram a terra, instauraram-se ao coração dos homens. Ainda mais: dividiam-lhes, separando-os como pastores separam ovelhas.
Bem e Mal, não assim como Luz e Sombra, foram então capazes de viver em harmonia. Bem e mal eram sábios: instruíam os homens a tomarem seu livre arbítrio, a escolherem entre Luz e Sombra.
Bem e Mal, assim, selaram um pacto. Um pacto de silêncio. Um pacto de trégua que seria apenas quebrado ao fim de tudo, ao término do mundo, ao término dos homens. Bem e Mal, em sua quietude absoluta, assistindo bem de perto ao mundo em que inevitavelmente habitavam.
Luz e Sombra, porém, recusaram-se a qualquer pacto, a qualquer trégua. Luz e Sombra eram rivais. Rivais eternas, rivais incansáveis. Sombra evoluiu, planejou, criou novos filhos. Sombra povoou a Terra e suas profundezas com seus soldados, seus generais e comandantes. Sombra jamais desistiria de retomar o trono.
Luz defendeu-se, treinando também seu próprio exército, criando também sua própria fortaleza. Instruiu os homens, olhou-os nos olhos, muniu-lhes com seu poder vivo, seu poder quente.
Luz e sombra, finalmente, assistiram seus filhos travarem sua própria guerra. Espreitaram-lhes a derramar o próprio sangue, manchando a terra, tingindo os rios. Irmãs que, lado a lado, aguardariam pelo fim de tudo para, um dia, retomarem sua eterna batalha.
Sombra e Luz jamais compreendiam, porém, que uma sem a outra não poderia existir. Eram seu próprio alfa e ômega, e estariam, por toda a eternidade, a esperar por um treno que a nenhuma das duas jamais pertenceria.

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In nomine patris | Dominus Mortuorum
HorrorJullian Bergamo é um padre missionário que realiza trabalhos para a igreja católica. Mas não um padre comum. Ele é um venator: um membro da igreja especialmente treinado para caçar e eliminar demônios. Após ser transferido de sua antiga comunidade p...