Capítulo XV - Bem-vindo a Peatron

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Assim como previsto por George, após uma hora de caminhada os dois homens conseguiram avistar, ao longe, as milhares de luzes piscantes da cidade de Peatron. Sem cessar os passos, Jullian direcionou os olhos negros ao céu, estudando a posição da lua. A grande esfera brilhante, que naquela noite surgia como um sorriso branco e distorcido, revelou que a madrugada viajava no período das duas horas, deixando-lhe um tanto apreensivo: teria pouco mais de três horas para encontrar o Mormo antes do amanhecer.

A estrada havia novamente tornado-se completamente reta, e a terra que compunha o caminho mostrava-se menos esfarelada e seca, continuando assim até os visitantes alcançarem uma velha ponte de madeira que passava acima de um vigoroso rio. Ele dividia dois territórios, e corria de forma voraz enquanto encharcava as margens de pura pedra cinzenta.

Jullian e George atravessaram a velha ponte, sentindo a madeira ranger sob seus passos pesados, e assim que chegaram ao outro lado encontraram uma placa de madeira empoeirada. "Bem-vindo a Peatron, a terra dos bons vinhos", era o que ela dizia.

—Willinghill e Peatron sempre competiram na produção de vinhos – disse George, apontando para a placa com um sorriso cínico no canto da boca. – Existia até uma competição anual onde um especialista avaliava qual das duas cidades produzia o melhor.

—Isso é bastante singular – Jullian respondeu, compartilhando do sorriso.

—É uma idiotice, isso sim.

—E qual das duas cidades produz o melhor, em sua opinião?

—Nunca experimentei nenhum dos dois. Nem mesmo o que tenho na adega de casa. Eu pessoalmente prefiro uma boa cerveja.

Jullian franziu o cenho, aparentemente reprovando a escolha de George. O vinho era para ele, além de uma bebida sagrada, um calmante mais forte do que qualquer tipo de remédio ou terapia.

—Você conhece bem esta cidade? – perguntou ele depois de alguns minutos de silêncio.

—Sim. Morei aqui por muitos anos. Eu trabalhava no açougue municipal e distribuía carne para as outras cidades menores. Em uma das minhas idas a Willinghill conheci Elisabeth, e... bem, o resto você já consegue imaginar.

Pelos pensamentos de Jullian, um "sinto muito" naquele momento seria completamente fora de questão. Preferiu manter-se calado, assim como estivera durante boa parte da viagem. Poucos metros depois da placa a estrada de terra se estreitava, dando lugar a um asfalto rente e sem qualquer tipo de dano. Já habituado a ouvir apenas o som seco de areia sendo pisada, ambos agradeceram em seus íntimos por estarem pisando novamente em uma estrada pavimentada. Ela seguia isolada por muitos metros à frente, ainda iluminada por poucos postes que iam gradativamente aumentando de quantidade conforme eles avançavam cidade adentro. Minutos depois outras ruas foram surgindo, conectadas àquela por onde os visitantes seguiam. As casas, dos mais variados tamanhos e cores, começaram também a preencher o espaço, tomando o lugar do vazio e aos poucos montando uma bela e charmosa cidade.

Uma breve olhada ao redor foi o suficiente para Jullian perceber que Peatron era uma cidade muito mais organizada que Willinghill. E não notou isso apenas pelo asfalto perfeito: as casas que preenchiam os dois lados da rua eram bem pintadas, separadas por becos de medição idêntica, possuíam belos jardins, janelas com sacadas e calçadas muito limpas. Os postes, espaçados em perfeita simetria, estavam todos acesos, alguns deles encobertos pela copa de algumas árvores que ocupavam o terraço de várias das belas casinhas, resultando em uma charmosa alameda com aparência de boa vizinhança. Conforme adentravam na cidade Jullian e George olhavam atentos para cada uma das janelas das residências, percebendo total escuridão e imobilidade dentro delas. Procuraram inutilmente por algum sinal de movimento vindo de qualquer lugar, mas tudo que acontecia naquela alameda era o suave arrastar de folhas pela brisa que soprava do sul. Peatron era como um cemitério: tomada por mistério e completamente muda.

In nomine patris | Dominus MortuorumOnde histórias criam vida. Descubra agora