In nomine patris | Dominus Mortuorum

Capítulo VII - Senhor dos Mortos

No exato instante seguinte após levar suas compras até a cozinha e deixá-las organizadas sobre a mesinha quadrada, o padre retornou em passos largos e apressados até a sala principal de seu pequeno dormitório. Parou em frente aos armários arranjados lado a lado, procurando por algo específico, e logo encontrou o livro na banqueta de três pernas que ficava próxima a eles. Apanhou o volume, seguiu até a poltrona e nela sentou-se de forma confortável, em seguida removendo o colarinho romano que muito lhe esquentava o pescoço. Assim, passou a folhear as páginas com rapidez, o olhar deslizando com atenção pelo vasto conteúdo presente nas incontáveis folhas do exemplar.

O livro se chamava Necronomicon, e em sua resumida essência nada mais era do que uma enciclopédia de demônios. Nas páginas do obscuro livro existia tudo o que se precisava saber sobre as terríveis criaturas que atormentavam os humanos: seus nomes, poderes e até gravuras de suas aparências grotescas e assustadoras.

Jullian continuou a mover os dedos por vários segundos, prestando atenção aos nomes e imagens que surgiam à sua frente, e logo após alcançar pouco mais da metade do Necronomicon finalmente o encontrou. Mormo, o senhor dos mortos.

Antes que pudesse ler sobre o demônio que assombrara a família Mosley, Jullian dedicou-se a examinar por alguns instantes a figura que representava a criatura. Era uma espécie de homem de aparência monstruosa, com braços e pernas robustos e de músculos definidos. Tinha mãos e pés enormes, preenchidos por pelos grossos e compridos. A cabeça era proporcional ao corpo, exibindo um rosto feroz: olhos grandes, nariz de fendas abertas e dentes afiados mostrando-se por fora da boca. Tinha ainda orelhas pontudas, curvadas para trás, quase completamente escondidas por uma cabeleira que se estendia por trás da cabeça e caía sobre os ombros muito fortes. Jullian engoliu a seco e não conseguiu prevenir-se de um breve calafrio que deslizou por todo seu dorso curvado. Embora não tivesse conseguido enxergar mais do que os olhos amarelos do Mormo na adega dos Mosley durante o breve momento de seu encontro, fora convencido pela gravura do Necronomicon que aquele era um dos demônios de aparência mais agressiva que já chegara a presenciar. Logo abaixo da gravura, que media seis ou sete centímetros e ocupava um terço da página, começava o breve texto que revelava do que aquela criatura era capaz.

"O Mormo é um dos mais poderosos demônios necromantes e assume o posto de um dos generais de Lúcifer, sob o título de Senhor dos mortos. Habita as partes mais altas dos infernos, e torna-se presente na terra através de transições espirituais ocorridas em cemitérios, especialmente durante sepultamentos carregados de tristezas causadas por mortes de crianças. Um de seus maiores prazeres é apossar-se de carne morta, transformando qualquer tipo de ser vivente em mortos que caminham livremente pela terra. Estes mortos respondem aos desejos violentos do Mormo e costumam tornar-se agressivos, porém na maioria das vezes são apenas deixados a vagar pela terra sem qualquer propósito aparente. O Mormo é um demônio único, incapaz de reproduzir-se como acontece com demônios de nomenclatura inferior. Graças à sua presença física sólida torna-se altamente apto a ser capturado ou destruído. A este fato se deve a escassa quantidade de vezes em que foi visto na história da humanidade. O Mormo é atraído pela morte coletiva, e embora não comprovados, estudos apontam que ele é capaz de propagar pestes e doenças que venham a causar mortes humanas em cadeia. Quando na terra, o Mormo esconde-se em covas vazias ou no interior de túmulos e mausoléus."

O Necronomicon foi então mais uma vez fechado e Jullian saltou da poltrona em direção a um dos armários, onde guardara o restante de seus livros e materiais de anotação. Em seu rosto mantinha uma expressão ansiosa, as sobrancelhas projetando uma alarmante preocupação.