Capítulo XVII - Volatem Diabolus

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—MOSTRE-SE, AGORA!

A ordem de Jullian, emitida a plenos pulmões, ecoou pelo cubículo à sua frente, e em resposta ele e George ouviram um novo rugido ainda mais monstruoso e demoníaco. Subitamente, dotado de absurda força e velocidade, o Mormo saltou pelo telhado do mausoléu, abrindo uma fenda por entre as vigas, espalhando destroços – pedaços de madeira e telhas – por todo aquele local. Um grande "WOW" saiu da boca escancarada de George, que não conseguiu conter o espanto ao presenciar toda aquela incomum situação.

Os olhos dos dois companheiros seguiram o Mormo enquanto ele, com suas colossais e negras asas abertas, exibia suas formas infernais sob a luz do luar. A pele escura e coberta de pelos assumia uma forma grotesca quando misturada às cores do céu noturno, e sua cabeleira emaranhada movia-se para cima e para baixo no ritmo do bater das grandes asas. O Mormo mantinha-se pairando no ar, a poucos metros acima das cabeças de George e Jullian, os dentes afiados à mostra enfrentando-os. Seus olhos amarelos faiscavam a ira pelo despertar forçado de seu sono de descanso.

—Jullian! O que vamos fazer? – disse George ao sentir um fio de suor gelado percorrer-lhe o rosto, procurando manter um nível de calma que já quase fugia de seu controle.

O padre não emitiu nenhuma resposta. Estava ainda parado exatamente como antes, apenas encarando o Mormo como em um desafio de poder através dos olhos – os dele negros e os do demônio amarelos. Deixando que mais alguns segundos de completa tensão transcorressem entre o bem e o mal, o Mormo rugiu e novamente bateu as asas vigorosamente. Desta vez, porém, inclinou o corpo para frente e pôs-se a descer em um voo rasante.

—Essa já é a hora em que nós corremos? – George perguntou de forma retórica, já dando as costas e seguindo apressado por entre os inúmeros mausoléus.

—Eu não poderia ter ideia melhor! – retrucou Jullian, também sentindo que ficar parado não era uma boa opção.

Os dois correram em direções diferentes, deslizando os pés pelas calçadas bem pavimentadas entre as pequenas construções retangulares e macabras. George seguiu pela direção da qual vieram antes, e Jullian desviava-se pelo caminho oposto, embrenhando-se cada vez mais cemitério adentro. O Mormo voava em alta velocidade sob suas cabeças, emitindo horrendos rugidos que não permitiam que nenhum dos dois homens tivesse a opção de parar e olhar para trás.

Após se distanciarem o suficiente para não mais ouvirem nem mesmo os passos um do outro, os dois pararam quase simultaneamente. Olharam ao céu, e perceberam que o Mormo havia desaparecido por entre as nuvens viajantes.

—GEORGE!

—JULLIAN! ONDE VOCÊ ESTÁ?

—CORRA PARA O CENTRO DO CEMITÉRIO! ENCONTRE-ME LÁ!

Imediatamente os dois correram com quanta velocidade podiam na direção combinada. Nenhum dos dois tinha certeza do que fazer – Jullian nunca havia lidado com um demônio alado e George nunca havia lidado com demônio qualquer – e por isso decidiram apenas manter-se na companhia um do outro para eventuais e prováveis necessidades.

Jullian corria com o que seu fôlego lhe permitia, por vezes tropeçando na barra de sua batina e pela primeira vez sentindo que enfrentar um demônio sem ela, em uma próxima vez, seria um caso a ser cuidadosamente avaliado. Ainda sem conseguir enxergar o parceiro em lugar algum, o padre ouviu o rugido do Mormo, e ao olhar para cima o viu ressurgir à vista, sendo pego de surpresa. Voava diretamente para ele, na posição de rasante similar à de uma águia que das alturas encontra um cordeiro desgarrado. O demônio alcançou o padre, e com as garras que se estendiam de suas mãos enormes tentou acertá-lo desferindo um golpe que seria fatal caso fosse certeiro. Jullian rolou para o lado contrário, e os braços fortes do Mormo atingiram uma cruz de cerâmica adornada com flores que compunha um dos mausoléus. A cruz espatifou-se em mil pedaços, e o Mormo tornou a elevar-se utilizando sua incrível habilidade de voo.

In nomine patris | Dominus MortuorumOnde histórias criam vida. Descubra agora