Carta ao colecionador de garrafas de Coca-Cola

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Eu quero que você vá se fuder com todas as forças que tenho. Ontem acabei me embebedando porque você não quis me vender da sua mercadoria, e tive que acompanhar aquela garota na sua jornada de copos americanos virados de álcool. Eu realmente fico triste com a capacidade que tenho de atrair a vergonha até mim, mas feliz por estar cagando pra estes fatos.

Ao chegar em casa ainda escrevi duas páginas pro jornal em que trabalho, e meu chefe encheu meu saco com umas vinte ligações que caíram na caixa postal. Ele é um otário de gravata que só quer me meter em encrenca pra que eu seja demitido porque ele sabe que sou bem dedicado e gosto do que faço, e também porque transei com a mulher dele mês passado e ele ainda desconfia que foi eu. Babaca.

Minha mãe morreu ano passado e ainda guardo umas garrafinhas de Coca que ela ganhou de brinde na década de 90, e desde então guardou essas relíquias. Sempre que olho pra eles lembro de quando era criança, e nem sabia dessa vida adulta triste e difícil, com alguns toques de estresse e pepitas de momentos alegres que evaporam como fumaça de cigarro que fumei na varanda enquanto bebia vinho com a mesma mulher do início. Não me entenda mal, eu não gosto de bebida, apenas gosto do efeito dela em mim, e no que eu faço depois disso, mesmo que meu corpo esteja dormente e eu nem lembre de onde tiro as palavras que no dia seguinte estão rabiscadas no papel em cima da minha mesa.

Então, meu querido vendedor, eu entendo que você já estava dormindo, e entendo que sou um vagabundo em lhe incomodar nessas horas da noite, mas eu do queria uma garrafinha de Coca, ao invés de um copo de whisky, eu prefiro acabar com meu fígado do que com minha dignidade. Então não me deixe beber aquilo de novo, porque é horrível e você sabe disso, seu cachaceiro.

Esta carta vai estar na estufa onde você guarda aqueles salgados de segunda mão que você compra e que são horríveis, e eu sei que você vai ler e nem vai fazer ideia de quem sou, mas só pra que você saiba de quem sou, é só perguntar pra sua mulher, e ver a reação dela ao escutar meu nome.

O título morreu e eu sinto saudade deleOnde histórias criam vida. Descubra agora