Ameaçado

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Eu vi a chuva cair enquanto estava no topo da serra que rodeia aquela cidade que eu não ia desde quando tinha meus sete anos de idade. Percebi o quanto tudo havia mudado, e como eu também estava diferente.

Naquela época Augusto, meu cachorro, ainda estava com pouco mais de dois meses; eu não sabia o que eram coisas solitárias e entediantes, já que tudo era novidade; corria por aquelas seringueiras como um explorador com aventuras intermináveis.

Eu me sentia feliz ao ver o orvalho das folhas caindo na grama enlameada, e a simplicidade e pureza eram a minha aura. A infância é como um sonho que esquecemos logo depois de acordarmos adultos.

No cume daquela pedra rompida por erosão durante tantos anos eu me senti feliz pelo fato de apenas eu e Deus estarmos cientes da existência daquele local.

Acabei deixando o cigarro apagar e a fumaça se misturar com a neblina da manhã, é aquele frio que percorria minha espinha foi sendo aquecido por lembranças confortantes de quando a única pessoa além de mim esteve naquele local do planeta comigo.

Fico feliz por ele não ter chegado até a vida adulta, assim ele não iria viver uma busca incessante por algo que satisfaça a carência que nós faz consumir cada vez mais, e viver cada vez menos. Ele não iria ter que se preocupar com o fato de estar envelhecendo e saber que somos pó e ao pó voltaremos.

Ele não experimentou o pesar de minha morte, por mais que eu já esteja morto há tempos. E naquela cruz fincada numa rocha com flores roxas ao redor, eu chorei ajoelhado enquanto tentava lembrar da sua voz mais uma vez dizendo que “O melhor dia da sua vida é quando você e o seu propósito na vida colidem no tempo, e você muda, pois sabe do seu significado”.

A solidão me ameaça contar este significado, mas eu continuo teimoso o suficiente para não aceitar prosa com ela. Sinto dizer que eu estou sendo defunto em um solo que nenhum verme quer escarnecer-me, e não adianta mudar este gráfico.

O título morreu e eu sinto saudade deleOnde histórias criam vida. Descubra agora