Por uma longa noite e um longo dia, Lilith permaneceu no quarto sozinha.
Ela percebeu quando um certo illiryano apareceu voando ao redor da casa, olhando atentamente e unicamente para a janela do quarto onde ela estava. As cortinas permaneciam fechadas e as janelas também, mas ela ainda conseguia sentir a presença.
Estaria mentindo se falasse que não sentia desconforto. Mas ela sabia que aguentava, já passou dias sem comer ou beber qualquer coisa, enquanto corria em círculos ao redor do grande lago que tinha em frente a propriedade de... Não importava agora, ele estava morto, mas as memórias que ele deixou ainda permaneciam mais vivas do que nunca.
- Esse é o seu alimento. - O sangue humano manchava o chão.
Lilith fechou os olhos, prendendo a respiração por alguns minutos, respirar era como sentir o cheiro de morte novamente, comer era como devorar carne humana de novo.
Percebeu que ficar de olhos fechados era pior, podia ver sangue e toda a carne humana com a qual se alimentou, via o lago, o mesmo que ele a obrigava correr em volta, a sala de treinamento, a mesma sala que ela passava dias treinamento sem descanso. Assim conseguia ver sua barriga inchada e protuberante, conseguia quase ver o bebê se movendo... O bebê que não mais existia.
Abriu os olhos, a mão no pescoço arfante, seus dedos deslizaram pela textura horrível das cicatrizes que circulavam seu pescoço e nuca. Olhando para seu reflexo no espelho, podia ver como seu pescoço era mais pálido que tudo... A coleira, a marca de sua coleira.
Não. Se obrigou a pensar. Não pense nisso.
Levou a mão até sua boca, mordendo o polegar nervosamente. Quase vomitou, suas unhas curtas... Curtas porque suas unhas tinham se quebrado dentro da carne dele, enquanto ela o matava.
Alguém bateu na porta, Lilith teve um sobressalto, saindo de seus pensamentos horríveis e sombrios ela olhou em volta. Percebendo que estava sentada no chão em um canto escuro, o corpo pingando de suor frio e os olhos arregalados. Se levantou rapidamente, era a mesma coisa que fazia antes, ela só queria apagar esse antes e não lembrar.
Outra batida. Lilith não queria abrir, suas mãos estavam frias enquanto puxava a gola para esconder seu pescoço.
- O que você quer? - Sua voz estava arrastada e fraca, cansaço extremo escorria por todo seu sangue.
- Já é noite... E você... Você não comeu nada.
Aquela voz, Lilith franziu as sobrancelhas tentando lembrar de onde conhecia essa voz.
Você é minha... Ah, então ela se lembrava.
- Quer mesmo perder um olho, garoto? - Seus olhos observavam as sombras que queriam escorregar por baixo da porta.
- Eu trouxe comida. - Ele responde. A voz tão baixa quanto a dela. - Tem carne e...
- Tire a carne. - A voz de Lilith foi quase um rosnado. - Tire a carne agora.
Alguns minutos, barulhos de talheres, pratos e tecidos. Então a voz dele novamente:
- Tirei a carne.
Lilith assentiu, mesmo sabendo que ele não conseguia ver esse ato. Ela puxou o ar por suas narinas, suspirando ao não sentir mais o cheiro de carne, aquele maldito cheiro qusse a fazia vomitar.
- Por que veio aqui? - Perguntou baixo. - Por que se preocupa com uma completa desconhecida?
Do lado de fora Azriel deu um passo mais a frente, seu pobre coração acelerado, sua mente gritando e suas sombras sussurrando. Ele estava bobo, completamente bobo pela mulher do outro lado.
- Você está sem comer à horas - disse a primeira coisa que veio na cabeça.
Horas, longas horas em que ele e Amren ficaram nervosos e irritados, rondando a casa e esperando Lilith fazer presença, mas ela não fez, então ele teve que voar ao redor da casa e verificar as janelas, estavam trancadas e as cortinas fechadas. Amren estava ficando nervosa a cada minuto e Azriel ainda mais, ela tinha decidido quebrar a porta e tudo o que a impedisse de chegar até Lilith, mas Azriel impediu. Amren o olhou e ele percebeu que ela sentiu o laço naquele instante.
"Faça com que ela volte a ser como antes". Amren tinha dito, sentimentos demais em seus olhos.
"Como ela era antes, Amren?" Azriel perguntou, mais interessado do que nunca.
Amren engoliu em seco, olhando escada à cima. "Viva, antes ela era uma pessoa viva."
Agora ele estava aqui, na frente de seu quarto. Finalmente enfrentando seus sentimentos, sabendo que deveria agir, ninguém faria isso por ele.
Lilith era dele, era seu laço, seu futuro e sua vida. No dia anterior ele tinha visto algo em seus olhos, a dor alucinante nas cicatrizes, e toda a merda por qual ela deve ter passado. Ele viu um futuro distante, onde aquele belo par de olhos estariam brilhosos e seus lábios teriam um sorriso, na profundezas de sua própria alma ele encontrou ela, na corda que os ligava ele achou um motivo de viver.
- E você se importa?
A voz dela atravessou a porta, o acertando em cheio. Tão baixa e quebrada, desconfiada e letal.
- Você está sem comer à horas. - Repetiu, engolindo em seco.
Um suspiro seco, e então a voz dela novamente:
- O que tem agora que... Tirou a carne?
Azriel olhou para baixo.
- Ah, tem salada, grãos temperados, frutas e... Suco. Perdão - Azriel disse antes de perceber. - Deveria ter colocado mais coisas...
- É o suficiente. Pode deixar no chão e sair para que eu pegue?
- Sair? - Ele quase gaguejou as palavras. - Certo, tudo bem. Mas...
- Mas o que? - Lilith sussurrou, parecia cansada, estava cansada.
Azriel já tinha se abaixado e deixado a comida ao lado da porta, ele se levantou e tocou a madeira fria, sussurrando para o que estava além dela.
- Promete que vai comer?
Do outro lado, Lilith perdeu levemente o fôlego, esperava que ele falasse outra coisa, qualquer coisa. Mas, ele queria que ela comesse, e falou como se a vida dele dependesse disso, ela não o conhecia, tampouco ele a conhecia, mas existia algo ali, na voz dele. A preocupação, ansiedade... Lilith colocou a mão sobre o estômago dolorido.
- Prometo. Eu vou comer.
Azriel não disse mais nada, estava saindo, o coração acelerado e o corpo dormente.
- Qual é o seu nome? - A voz atravessou o corredor.
Ele olhou para trás, a porta dela estava aberta e a comida já estava para dentro, ele não podia a ver, somente alguns fios ondulados de seus cabelos ruivos alaranjados.
- Azriel. - Respondeu.
A porta lentemente se fechou, Azriel estava sem fôlego.
- Obrigada, Azriel.
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Sombria Solidão | ᵃᶻʳⁱᵉˡ
FanfictionUm acordo e uma promessa. Lilith não planejava ficar muito tempo na Corte dos Sonhos, seu único desejo era cumprir o acordo e voltar para a escuridão de onde veio. Com um passado sombrio e solitário ela se tornou de uma deusa para uma semi-deusa re...