[Tema: deuses gregos]
Um desejo. É tudo que tenho direito.
Vim de muito longe e lutei contra muitos percalços em meu caminho. Muitos lugares frios, muitas noites em claro, muitos amantes deixados para trás. E, mesmo assim, a moeda dourada sempre esteve firme em minhas mãos. E nenhum valor monetário seria capaz de estimar o quanto aquele pedaço de ouro significa para mim.
Mas agora, estou aqui. Diante do poço do fim do mundo.
O vento gélido dança por entre minhas pernas e tento me encolher no tecido gorduroso de lã que me aqueceu durante a jornada. Além do poço, quase na beira do penhasco, observo um horizonte neblinado de montanhas acinzentadas banhadas pela luz do sol, que já começa a se despedir.
Voltando minha atenção ao poço, reflito, em meus pensamentos, sobre meu desejo. Não posso cogitar mudar minha prece. É meu destino. É o que eu preciso.
Inúmeros pensamentos percorrem minha mente. Minha infância, meus amantes, meus amigos e, por fim, meu avô.
Por maior que seja minha vontade de voltar atrás, sei exatamente o que quero.
Fecho os olhos, lanço a moeda. O barulho metálico atinge as paredes de pedra do poço e vai se distanciando, cada vez mais longínquo, até ser engolido pelo silêncio aquático do fundo.
Minhas preces silenciosas são feitas, meus olhos estão cerrados e minhas mãos unem-se para fortalecer a súplica. A qualquer momento. Então, eu aguardo. Mantenho-me firme, esperando. E por muito, muito tempo, nada acontece.
Permaneço de pé, rezando ao Olimpo para que eu logo seja atendida. Não quero me sentar, muito menos adormecer. Preciso continuar de pé e provar que até minha postura é digna do poder dos deuses e da magia de Hécate. Preciso que ela me admire e me dê sua bênção.
Mas ela não vem, e o céu continua a escurecer.
Percebo o frio me afetar, ao sentir meu corpo tremer involuntariamente. A lã não é o bastante para me aquecer nesse ponto, e tomo um gole do vinho guardado em minha garrafa.
O sabor alcoólico me preenche e me satisfaz por algumas horas. Me pergunto se isso é uma provação da deusa. Se for, não hesitarei em continuar de pé.
Logo a manhã alvorece, e continuo sozinha a observar o poço. E mais uma vez anoitece. E amanhece mais uma vez, para novamente a noite chegar, findando minhas esperanças.
Na terceira noite, percebo a neve engolir completamente meus pés gelados e, por fim, doente de frio, decido procurar algum lugar para me aquecer.
Sinto alívio ao avistar, em pouco tempo de caminhada, uma caverna próxima do penhasco, e meus pés ansiosos se direcionam até lá.
É grande o esforço para andar. Minhas pernas tremem com violência e tento controlar o movimento do meu corpo, que cai na neve molhada algumas vezes antes de alcançar a caverna.
A escuridão da gruta me abraça enquanto arrasto meu corpo para me proteger da neve, que começa a cair cada vez mais rápido. Respirando alívio, sinto meus dentes baterem, consequência do frio intenso. Estou cansada demais para me mover e meus olhos se fecham.
Quando desperto, não sei quanto tempo se passou. Levanto o pescoço e percebo que a noite escura é palco para a nevasca que rodopia pelo ar. Ajeito meu corpo e, quando levanto, percebo uma luz alaranjada adiante.
Aproximo-me da fogueira, satisfeita com o calor que me envolve, mas logo estremeço de susto ao notar uma figura encolhida ao canto.
"Desculpe. Não sabia que a caverna estava ocupada." Digo, ficando de pé novamente.
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Epifanias da Rainha
Fantasía"Epifania - substantivo feminino Revelação a partir de algo inesperado; percepção intuitiva; entendimento repentino do sentido de alguma coisa." Toda ideia surge de algum lugar, e todo lugar dá origem a um universo inteiramente novo. Nesse livro, es...