Caça Às Cegas

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[Aviso de gatilho: Perseguição, morte. Tema: Labirinto]

O chão gelado abraça meu corpo com ternura e dureza. Sinto a dor e a confusão presentes nos meus músculos tensos à medida em que me forço a sentar, desperto de um sono longínquo.

Limpo meu rosto, meus braços e meu tronco, sujos de poeira, terra ou qualquer coisa granulosa que esteja no chão. É tudo escuro como breu, e não consigo sequer ver meu nariz. Mesmo assim, sinto minha cabeça latejando na têmpora, e a dor parece me cegar ainda mais.

Pelo tamanho da dor, sinto-me abençoado por ter perdido apenas a memória.

Afinal, não tenho ideia do que causou a pancada, ou como vim parar aqui.

"Onde eu estou?" pergunto para o vazio.

"Onde eu estou?" alguém ao meu lado responde, e o frio dança pelo meu corpo num tremor. Meu coração começa a disparar como um milhão de tambores, e começo a ver formas estranhas no escuro. Não sei até que ponto elas são reais.

Sentindo o desespero começar a se apoderar de meus movimentos, fazendo-os ficar cada vez mais involuntários e trêmulos, aproveito disso para tatear qualquer coisa ao meu alcance. Qualquer objeto ou indício de onde estou, já que não estou sozinho.

Há alguém por aqui. Eu sei disso. E a escuridão e o ambiente frio e úmido fazem com que minha respiração fique cada vez mais pesada.

Até que meus dedos tocam algo rígido. Consigo segurar o instrumento de madeira com a mão fechada, e, com a outra, percorro o objeto, até que minha boca solta um grito de dor.

Acima do bastão, há uma lâmina. Estou segurando um facão.

Eu posso não saber onde estou, mas sei que, aqui, não estou seguro.

"Quem está aí?" pergunto com a voz embargada de desespero.

"Quem está aí?" rebatem.

"Pare de gracinhas. Não tenho medo de você."

O silêncio e a escuridão embebedam meus movimentos, enquanto me levanto, segurando com força o facão. Sinto minha mão sangrar ainda mais.

"Não tenho medo de você" a voz sussurra ao meu ouvido e meu grito de horror percorre o vazio.

Em um gesto impensado, estendo a minha faca e começo a girar em círculos, golpeando o vento, mas não consigo acertar nada e nem ninguém.

Meus olhos aos poucos começam a se acostumar com o breu e, apesar da pobreza de detalhes e cores, identifico duas paredes aos meus lados. Estou em um corredor e ambos os lados se estendem para o infinito.

Minha única escolha é correr. Entretanto, após dois passos, tropeço em um líquido viscoso e acabo caindo em algo grande e pesado.

No chão, ainda segurando a faca, tateio, sentindo cheiro metálico no ar frio. Não preciso de muito tempo para saber que estou em cima de um corpo banhado de sangue, e agora, tenho a certeza de que estou em perigo.

Ao meu joelho, sinto algo rígido, e enfio a mão no bolso do defunto, encontrando uma pequena lanterna. Não hesito e acendo.

A luz pálida faz as minhas especulações ganharem confirmação. O corpo, ainda fresco, continua com os olhos arregalados e o suor ainda não secou de suas têmporas. Suas roupas estão rasgadas e não consigo decifrar suas cores originais, já que estão tingidas por vermelho carmim.

Observo a mim mesmo. Me encontro da mesma forma, e entro em desespero novamente. Minhas mãos, joelhos e roupas estão completamente ensanguentados. Não sei se ainda estou sangrando, mas é nítido que tenho, em minhas mãos, a faca responsável pela morte do meu companheiro. E, talvez, da minha própria.

Epifanias da RainhaOnde histórias criam vida. Descubra agora