Maktub¹

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"É justamente a possibilidade de realizar um sonho que torna a vida interessante." Paulo Coelho

¹ Do árabe, "está escrito".

[Tema: Universo Literário]

Não contenho um suspiro indiscreto ao caminhar pelas ruas ladrilhadas do Centro Histórico de Salvador. Um gemido baixo escapa de minha garganta, um brado vazio e exausto.

Perdida em meu próprio esgotamento, sinto não ter mais forças para nada. Lidar com pessoas, obrigações, afazeres... De alguma forma, a vida tornou-se aborrecida demais. Estou totalmente entregue ao piloto automático.

À minha volta, o silêncio dos passantes é quase ensurdecedor. Por algum motivo, não sinto o ar de agitação e correria típico do centro soteropolitano. Até o Sol parece ter se escondido, incapaz de abençoar o povo baiano com seus raios jubilantes. Talvez ele seja o culpado por esse desânimo coletivo. Ou então o sentimento é apenas contagioso.

A cada vez que meus tênis tocam os paralelepípedos, imagino as milhares de pessoas que por aqui passaram. Penso em suas histórias, seus caminhos, tão antigos ou tão recentes. Tão certos ou tão hesitantes - assim como o meu.

O meu destino é uma incógnita nostálgica que carrega todas as marcas de quem eu poderia ter sido. Todo meu sucesso, todas as possibilidades futuras e todos os planos reduziram-se a pó no instante em que fui demitida nessa manhã. E agora, nada me resta além de voltar para casa e me entregar ao indefinido.

Por esta razão, percorro a Rua Chile tão acinzentada, porém tão cheia de memórias e segredos. Os prédios arcaicos, que tapam os escassos raios solares, já são grandes amigos meus e a familiaridade das lojas não me surpreende.

Até que meus olhos pousam em um novo letreiro.

Inclino a cabeça, buscando ajustar melhor a visão. Mesmo distante, consigo ler:

"Oásis das Letras".

Mais uma loja de livros usados por aqui. Como se eu já não tivesse visitado todas elas.

Mesmo assim, dou de ombros. Não custa dar uma olhada.

Ao colocar os pés na loja estreita, o aroma de livros antigos preenche meus pulmões. Suspiro, apaixonada pelo ambiente repleto de estantes vazias e livros empilhados no chão, prestes a serem colocados em seus devidos lugares.

- Boa tarde! - um homem alto de pele escura vem me recepcionar. - Seja bem vinda. Está procurando alguma coisa?

- Não, eu... - balbucio, alheia. - Só vim dar uma olhadinha.

- É claro. Estou terminando de organizar as prateleiras, mas fique à vontade.

Curiosa, observo diversos títulos, cores e espessuras. Não demoro a notar que estou na sessão de clássicos nacionais. Encontro títulos de Machado de Assis, Clarice Lispector e...

Fixo minha atenção num livro simples, mais fino que os outros e com uma lua em sua contracapa.

Com delicadeza, giro o exemplar e entro em êxtase com a capa de O Alquimista. Observo cada pequeno detalhe: as bordas vermelhas no fundo laranja e uma mandala caleidoscópica ao centro. O gradiente de cores parece cada vez mais vibrante e não consigo desviar o foco.

Pelo contrário.

O caleidoscópio dança aos meus olhos, um sensual convite para que eu mergulhe na explosão de cores quentes que abarca meu olhar. Aos poucos, as linhas e arabescos começam a tomar forma, resultando num mapa esférico que vai ficando cada vez maior.

Epifanias da RainhaOnde histórias criam vida. Descubra agora