─ PARTE UM: ROMANCES CALAMITOSOS ─

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Houve um certo momento na minha vida em que tive certeza de que acabaria como um velho solitário e amargurado antes mesmo de chegar aos cinquenta anos. Esse pensamento não surgiu do nada, muito antes de aprender a gostar de café sem açúcar, minhas tias ─ das quais não me sinto nem um pouco grato, ─ já me assimilavam àquela típica palavra: "Solteirão."

Mais tarde até mesmo conhecidos, e amigos que considero bastante, jogaram esse mesmo termo nos meus ombros, letra por letra, ─ com direito a serifa e tudo, ─ e pensei muito sobre o motivo disso. Será que nasci com a aparência mais miserável possível? Ou a menor quantidade de charme já alcançada? O suficiente para afugentar até a mulher mais infeliz ou desesperada de mim? Não, não era isso.

Quando questionei sobre, apenas me disseram que é quase impossível me imaginar comprometido em um casamento, ou algo similar. Pelo que alegavam, minha presença não parecia "chamar a atenção das moças" mesmo sendo o mais alto dos homens ali.

Entretanto, para o espanto das minhas tias, pretendentes ou cortejos não fizeram falta, conheci um número considerável de moças ainda quando rapaz, e ao todo minha vida foi marcada por sete desses casos até o momento, onze caso você queira considerar as danças em festas. Todos tiveram seus motivos para terminar, mas no geral eram movidos pelo fato de que minhas amantes perdiam rapidamente o interesse em mim.

Por mais deprimente que seja compartilhar esses detalhes, ainda acho necessário para que a história que vou contar faça um pouco mais de sentido, e para limpar um pouco da imagem manchada que muitos já tem de mim.

Pelo menos já estou fazendo um bem para mim mesmo em dizer o que realmente aconteceu ─ pelo que pude presenciar, ─ e em esclarecer alguns acontecimentos não revelados. Portanto, vamos começar no que acredito ter sido o pontapé para tudo isso:

AGOSTO DE 1932

Se não fosse por Maxfield, eu jamais teria aparecido na festa de casamento de Eddie Clemmont. Naquele dia meus nervos estavam à ponto de explodir por causa da discussão que tive com minha mãe na noite passada ─ algo recorrente na época, ─ e não estava com espírito para um tumulto. Mas se existe algo que aquele loiro sem-vergonha sabe fazer, esse algo é me persuadir.

⎯ Dê um descanso para a Tia Bárbara, Pepper. ⎯ Gracejava Maxfield, sentado da forma menos cortês do mundo no banco do carro, um charuto balançava entre os dedos. Muitos que o conheciam questionavam se ele era um inocente estúpido, ou um desmiolado maligno, quando olhavam apenas para seus olhos desfocados e o sorriso leviano. Talvez ele fosse os dois.

⎯ Descanso? Não é você quem precisa aturar ela todo dia. ⎯ Peter poderia ter contado ao seu amigo os mínimos detalhes da sua discussão com a Senhora Corbeau, se não estivesse tão centrado em dar um nó decente na gravata. ⎯ Ainda não acredito que me convenceu a ir nessa festa. Eu deveria ter te esganado por buzinar na frente de casa por meia hora.

⎯ Quem mais além de mim vai te ajudar a manter o título de "Mauricinho da meia-noite"? ⎯ A frase veio seguida por uma risadinha atrevida. ⎯ Prove um pouco e tente relaxar. ⎯ Empurrou o charuto, já aceso, na direção do amigo.

⎯ Tire isso da minha cara! ⎯ Peter o empurrou de volta quase na mesma velocidade. ⎯ Se algo acabar acontecendo nessa festa a responsabilidade vai cair unicamente em você.

⎯ Arrête de faire du drame, mon ami. ⎯ Pediu o loiro. Quando crianças, eles tinham costume de misturar o francês com o inglês, para confundir os leigos, mas isso passou a se tornar um hábito na idade adulta. ⎯ Hoje todos vão prestar atenção apenas em Eddie e na moça canadense com quem ele vai casar... Falando nisso, você conheceu alguma moça decente ultimamente?

CORVO BASTARDO ⎯ outonos passadosOnde histórias criam vida. Descubra agora