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 Amália descia as escadas. Desta vez, com uma cesta de roupas sujas apoiada sobre os um dos ombros. Cecília, que assistia todas suas idas e vindas diretamente das almofadas macias do sofá, já havia perdido a conta de quantas vezes ouvira seus coturnos batendo sobre aquelas tábuas de madeira

 — Há quanto tempo você não lava roupa? — Encara-a com seriedade. Não espera uma resposta enquanto cruza o corredor em direção à lavanderia.

 Cecília revira os olhos.

 — Você não pode fazer isso em, tipo, supervelocidade?

 — Posso. — Sua voz é abafada pelos barulhos da máquina de lavar, embora ainda possa ser ouvida — Mas qual seria a graça?

 — Você terminaria mais rápido.

 Cecília se levanta, atravessando para a cozinha. Amália faz pausas em sua fala, como se estivesse atenta a ouvir seus passos.

 — Certo. Imagino como deve ser exaustivo me assistir enquanto limpo.

 Abrindo a geladeira, encontra prateleiras desocupadas e algumas comidas que não estavam ali antes.

 — A propósito, — Continua. Enquanto isso, Cecília caça uma garrafa âmbar deitada sobre a última prateleira, agarrando-a — Disse a sua chefe que você estava doente demais para ir trabalhar. De nada.

 — E o que ela disse? — Segurava a garrafa e uma taça com a mesma mão, fechando a porta do armário suspenso à parede com a outra.

 Cecília apoia-se sobre o balcão com a visão turva. Respira fundo, voltando a se concentrar em destampar a garrafa de vinho.

 — Que estava surpresa por você avisá-la antes de faltar ao trabalho. Com uma desculpa convincente.

 — Ela não me demitiu ainda por pena. — Resmunga baixo, fazendo mais força sobre a garrafa.

 Seus dedos escorregam, soltando a rolha acidentalmente. Cecília bate o braço na taça ao seu lado, guiando-a para o chão e, principalmente, em direção a seus pés descalços. Fecha os olhos, ainda ouvindo o som estridente que o fundo da garrafa causou ao chocar-se contra o balcão.

 Mas o som da taça estilhaçando no chão nunca chegou a seus ouvidos.

 Abrindo os olhos, encontra Amália em sua frente. Tão próxima que o prateado em seu olhar seria capaz de devorá-la, ali mesmo. Inclinada, ainda segurava a taça alguns palmos abaixo do balcão. De fato, Amália era, sim, capaz de respirar.

 Arfou, trazendo a vidraria para cima. Tomando a garrafa em suas mãos, retira a rolha com uma facilidade que Cecília inveja.

 — Eu não precisava que me salvasse de alguns cacos de vidro.

 — Diga "obrigada" uma vez em sua vida, Cecília! — Amália diz, risonha, com as sobrancelhas franzidas. Preenchendo a taça, senta-se do outro lado do balcão — Céus.

 Provando o líquido, seu semblante amarga. Cecília observa-a beber, quieta.

 — É ofensivo... — limpando os lábios com o polegar, leva a taça para longe de si — ...que isso seja chamado de vinho.

 — Seu lixo, meu luxo. — Virando a bebida em sua boca de uma vez, Cecília finge não se importar com a queimação leve em sua garganta.

 — Se não gosta de seu emprego, por que não procura outro?

 — Porque, com certeza, existem muitas vagas disponíveis para bibliotecárias por Ponte Velha.

 — Seus incômodos não vão sumir só porque você trocou de biblioteca. Vamos, — inclinando-se sobre o balcão, encara Cecília com concentração — diga-me o que gosta de fazer.

sol da meia-noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora